Na sala sumptuosamente decorada com reposteiros de damasco de cor púrpura, porcelanas das Índias, tapeçarias persas e um opulento contador do século XV, laboriosamente trabalhado em madeira de ébano, soaram os primeiros trinados. O fadista, ignorando as resmas de facturas e contas por pagar que atafulhavam o secular contador, e os credores que do lado de fora da sala esfregavam as mãos de gulosos, fechou os olhos, inspirou fundo e fez soar com paixão estudada uma voz canora de pretendente a arcanjo celestial. O fado era conhecido e a letra rezava mais ou menos assim:
Que triste fado o meu
Tudo fiz p’ra te salvar
Deus sabe o que sofri
P’ra não chamar o FMI
E não te deixar afundar
As culpas que eu não tenho
Outros por certo as terão
Pois nesse dia atribulado
O PEC não foi aprovado
Por vingança e ambição
Estou disposto a perdoar
A quem tanto mal nos quis
Não é uma união nacional
Mas apenas um sinal
P’ra salvar este país
… e assim por diante, enquanto por detrás do fadista um coro de diligentes pavões pupilava a melancólica melodia, lembrando o lamento lôbrego do cativeiro, cantado das entranhas de um barco negreiro.
Terminada a função, sem grande brilho, a guitarrista guardou o instrumento no saco e partiu para umas bodas reais na ilha Britânica, enquanto que o modesto fadista, evidentemente satisfeito com a sua prestação, recolheu a dormir o sono dos justos, deixando a luz da sala acesa e as janelas escancaradas ao pupilar dos pavões.
Não muito longe dali, numa outra tertúlia fadista de não menos fausto e jactância, um marujo alto e espadaúdo procurava cativar uma plateia pejada de serafins e querubins, gente letrada e finória que derramava medidas e sabedoria a rodos, e que em uníssono lhe pediam de forma incessante por outro conhecido fado – “Queremos sociedade - queremos mais sociedade! Queremos sociedade – queremos mais sociedade!”.
Imperturbável, o viçoso fadista levantava a mão em gesto de assentimento e retorquia com um subtil sorriso nos lábios e uma piscadela de olho ao guitarrista - “Calma, calma, chega para todos. Anda Catroga!”
Fraquinho. Como é habitual.
ResponderEliminarPobre de espírito, como é norma dos anónimos...
ResponderEliminarMeu caro Relaxoterapeuta,
ResponderEliminarComo sempre um texto bem 'esgalhado'!... Pena é que em ambas as casas de fado o acerto e a qualidade dos fadistas sejam coisas de duvidosa aceitação.
O que o Zé Povinho portuga necessita não é de medíocres cantadores de fados batidos, mas de tenores afinados e, sobretudo, que tenham capacidade para executar boas áreas e não martirizem os nossos pobres ouvidos com fífias que nos arredam do espectáculo.