31/10/12

Os comensais do costume

 

O orçamento fica hoje aprovado na generalidade, só falta atar e pôr ao fumeiro.
Podem chamar o Ulrich, o Espirito Santo, o Ricciardi, o Soares dos Santos e o resto da Confraria das Gorduras. Eles que lavem as mão e que se sentem à mesa, que o petisco não tarda a ser servido.
mas afinal onde é que pára o pessoal da Confraria dos Tomates?
Razão tinha o outro, “o povo é sereno”…
 

29/10/12

Auto-avaliação

 
Permitam-me que vos conte uma pequena história, sem grande importância.
Por volta de 77/78, não sei precisar ao certo, num vulgar dia de Outono, por sinal de intenso nevoeiro, fui abordado pelos vizinhos para liderar a Comissão de Moradores do Casal da Formiga. De imediato senti as duas habituais experiências físico-químicas que o ser humano experimenta nestas situações – uma tumescência no ego e uma lasciva vertigem (mais tarde um ajudante de farmácia explicou-me que se trata daquilo a que os cientistas do comportamento chamam de “vertigem do poder”, neste caso, de um micro-poder).
Ufano e a arfar confiança, assumi a modéstia dos predestinados e cumpri o protocolo, pedi uns dias “para pensar e para consultar a família”, família que à data se resumia a uma fulana das Trutas que trabalhava por turnos na Ricardo Galo e com quem eu mantinha uma picante e tórrida aventura extra-conjugal nas barbas do marido, e o meu fiel Bolinhas, um cão notável que ía comigo à caça e às gajas, e de quem tenho muitas saudades. Todo o resto da “família” estava de trombas comigo e já só me dirigiam a palavra para alguns mimos - de “camelo” para cima. Enfim, já um gajo não pode ser complicado…
É evidente que o convite me entusiasmou – “é porque viram em mim qualidades, porra!... Mas será que só isso chega? Porra!” Esta inquietação fez-me de facto pensar alguns dias e levou-me a recordar uma frase que o meu pai me segredou no primeiro dia que entrei nos portões da fábrica e que jamais esquecerei – “tem orgulho naquilo que fazes com competência, mas nunca te queiras fazer passar por aquilo que não és. Se és um bom cantoneiro, óptimo, é essa a tarefa que todos esperam que desempenhes com garbo! Se és um bom médico, óptimo, é esse o papel que todos esperam que desempenhes com generosidade. Se és um aldrabão, podes ser cantoneiro, médico ou regedor, pois a incompetência está ao alcance de qualquer atrevido!”
A equação tornou-se por isso mais simples, embora o processo de auto-avaliação não o fosse, apenas havia que ponderar se reunia o perfil, os predicados e as capacidades necessárias a um bom desempenho do cargo: capacidade de liderança, de decisão, de auscultação, de auto-crítica, de motivação, de visão estratégica, de planeamento táctico, de coordenação operacional, etc. Concluí que não reunia as condições mínimas, o que transmiti aos vizinhos, sugerindo que me teriam sobrestimado e que lhes estaria a fazer um grande favor em não aceitar o convite. Reafirmei contudo a minha disponibilidade para continuar a trabalhar na Comissão como até aí. Volvidos alguns dias o plenário de moradores elegeu um papagaio qualquer, um fulano pedante e bem-falante, casado com uma Florinda dos Outeirinhos, uma tipa de nariz empinado que o empurrou para o cargo e que lhe dizia a toda a hora o que deveria fazer.
Não sei porquê mas às vezes lembro-me destas histórias, sem grande importância.
 

25/10/12

Humor Funesto


O presidente da Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL), Carlos Almeida, afirmou que o subsídio por morte, com a redução anunciada no Orçamento do Estado para 2013, vai ser insuficiente para realizar um funeral «habitual».
«Os 1.200 euros de que se fala não chegarão para a maioria das pessoas que quer fazer um funeral dito mais habitual», disse à Lusa Carlos Almeida, quando hoje se inicia, em Lisboa, o salão internacional do sector funerário e arte sacra, de nome Ambifuner.
De acordo com a proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano, o Governo quer cortar para metade o subsídio por morte, que é atribuído aos familiares a cargo dos aposentados por morte destes, limitando o valor a 1.257,66 euros.
(…)
O presidente da ANEL salientou que todas as funerárias têm nas suas tabelas de preços um funeral denominado social, actualizado todos os anos, que neste momento se encontra perto dos 400 euros.
Carlos Almeida sublinhou que o Ambifuner, que decorre até sábado no Centro de Congressos de Lisboa, em parceria com a Associação Industrial Portuguesa e com a editora LuaAzul, conta com uma quase totalidade de expositores nacionais, vários com capacidade exportadora.
«O objectivo é divulgar este sector, apesar de um ano de crise mostrar a dinâmica das empresas e tentar encontrar novos clientes, mostrar novas alternativas», disse à Lusa, por seu lado, o gestor do salão, Paulo Rodrigues.

 

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Face à clarividência das palavras do gato-pingado da Associação Nacional das Empresas Lutuosas, não me restam senão três pequena notas sobre o sector:
- penso que não há razão para alarme, as medidas tomadas pelo governo do Senhor dos Passos e do seu acólito Gaspar, vão claramente no sentido de aumentar exponencialmente o número de clientes finais, o que poderá compensar o esmagamento das margens;
– penso ainda que a internacionalização pode ser uma boa aposta, sobretudo através da penetração em mercados de elevado potencial como sejam, Iraque, Afeganistão, Síria, Líbia, Sudão, etc, tudo países que fazem parte das chamadas ELE – Economias Lutuosas Emergentes;
vejo aqui claramente uma janela de oportunidade para as cimenteiras. A menos que os ambientalistas queiram dar um ar da sua graça.
Contudo uma coisa é certa, até a indústria lutuosa está pela hora da morte...
 
 

23/10/12

Revisão Constitucional




Lamentavelmente a política continua a ser produzida através de sound bites, uma espécie de bitaites coloridos, debitados por quem é suposto manter algum arrière-pensée antes de abrir a boca. E os jornalistas, comentaristas e outros artistas da hermenêutica, ávidos de matéria-prima fedegosa, lá amplificam a desleixada bufa, elevando-a à condição de sinfónico fofó.
Seguro de si próprio e do seu papel de líder oposicionista desbotado, António José colocou a voz, compôs o nó da gravata e, encarnando na sua melhor pose do pierrô com lágrima ao canto do olho,  lançou o trunfo – “Há que diminuir o número de deputados, que só em torresmos, iogurtes gregos, papel higiénico de folha-dupla e Renaults Clios, esses desavergonhados custam uma pequena fortuna ao reino! É preciso perceber que em tempos de crise o país não se pode dar ao luxo de esbanjar com as mordomias da democracia representativa!”. E ficou quieto a aguardar os ecos dos seus ventos interiores.
Porém, como os nervos andam à flor da pouca pele, já que o pantomineiro Gaspar se tem encarregue de a esfolar delicadamente, camada após camada, ninguém esteve para lhe aturar garotices e o fofó num ápice se esfumou, a democracia lá se livrou (por agora) da lipoaspiração representativa e o pierrô encarnou o papel soprado pelos assessores, nem sim, nem não, antes um suponhamos – “Obviamente que de momento este assunto não é uma preocupação da esquerda dita democrática, mas também não é um tema tabu!”. Ficou registado. Seguramente que as suas intenções eram as mais cândidas, sobretudo do ponto de vista da outra esquerda dita de extrema. Contudo, alguém lhe deveria ter explicado que o nobre gesto em favor da redução do défice redundou numa pregão popularucho contra uma classe política sem classe, a necessitar urgentemente de quem a credibilize e de quem a recupere para patamares de excelência, de confiança, de rigor, de coiso. Como faz, por exemplo, aquele senhor, o Silva dos pastéis, que nos contacta via facebook sempre que do alto do seu palácio pretende derramar sobre o povo bordões de sapiência económica-social, psicotrópica, telúrica, apologética de novos rumos e de novos caminhos - do mar que sempre ignorou, das pescas que desmantelou, do olival que pagou para abater, da vinha que mandou arrancar, da produção de bens transacionáveis que mandou encerrar - recolocando o debate no patamar em que deve estar, uns centrimetros acima do baixo ventre e um niquinho abaixo do umbigo.
Esta breve reflexão teve contudo um mérito, desvendou-me uma maravilhosa ideia que fará as delicias do camarada (dito) Seguro. Seguramente. E porque não rever a constituição e passarmos a eleger o presidente da república através de “likes” no facebook? O candidato criava uma conta no facebook, mandava escrever uns zurros e quem tivesse mais “likes” ganhava uma estadia grátis de cinco anos no palácio cor de rosa, o país sempre poupa uns trocos com actos eleitorais e merdices desse género e o resultado final era o mesmo. E que tal António José? Seguras-te? Vais ver que o pessoal adere melhor do que àquela de recambiar o Feteira Pedrosa para a Praia da Vieira. Vais ver... 


19/10/12

E daí, talvez...


 
O despertador marcava 4:23. Nas últimas duas horas e três quartos assistira de olho arregalado à passagem de cada minuto, como quem desfia dolorosamente as contas de um rozário, implorando ao divino a graça da fé. Ou pelo menos a Graça cabeleireira, que é bem-boa.
A malvada insónia e as palavras do Pinheiro de Azevedo martelando-me na cabeça, estavam a transformar o merecido tempo de repouso numa angústia quase igual à vertigem de... um... discurso... de... Vitor... Gaspar. Com a breca, o Pinheiro de Azevedo tinha toda a razão  - "Estou farto de brincadeiras, ok? ... fui sequestrado, já duas vezes, já chega. Não gosto de ser sequestrado, é uma coisa que me chateia. " E a mim também me chateia Pinheiro, não gosto de ser sequestrado e muito menos de untar o vesgo de vazelina esterilizada, orçamento após orçamento. Sobretudo quando é o próprio arquitecto do miraculoso programa de emagrecimento e rejuvescimento, o frenético... ministro... Vitor... Gaspar,  a confirmar que Portugal continua a esbanjar sem critério, desvendando que o país investiu na sua educação uma pipa de massa. Da grossa. Tá bom de ver, mais um péssimo investimento, mais um negócio ruinoso para um país demasiado generoso. Antes o dinheiro tivesse sido gasto em bolota que assim sempre lhe punhamos um presunto ao fumeiro e já nos sentíamos ressarcidos, uma vez que o vagaroso alfário insiste em retribuir o que ruminou durante algumas décadas. Mas fique sabendo caro... Gaspar, que por mim pode deixar-se de mesuras e de cerimónias, vá andando que não me deve absolutamente nada desses anos em que se deliciou em prados verdejantes. Chô! Chô!
Não sei se foi da noite mal dormida, se de me sentir sequestrado, ou se da greve dos padeiros, e daí talvez. A verdade é que senti de novo uma enorme vontade de... é pá, desculpem lá mas agora vou almoçar!...