25/04/11

Do Marquês ao Rossio



De braço dado descemos a Avenida. À frente os que restam dos bravos Capitães, seguidos por magotes de gente anónima. Em trinta e sete anos muitos partiram e muitos chegaram. Tal como as angústias e as alegrias daquela noite de setenta e quatro, tal como os sonhos e as ilusões que ousamos inventar e projectar na tela do tempo.
A cada passo vou memoriando amigos e camaradas de armas, enquanto à minha volta se canta a Grândola Vila Morena, Avenida abaixo. Se me perguntarem porque estou comovido, responderei que é por saudade. Se me perguntarem porque estou mesto, responderei que é por Abril. Se me perguntarem o que espero, responderei que não sei. Só sei que hoje desci do Marquês ao Rossio, rodeado de gente que só deseja ser feliz!

25 x 37 = ?

QUEIXA DAS ALMAS JOVENS CENSURADAS
(Natália Correia)


Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma de uma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
Com as cabeleiras das avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa historia sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Somos vazios despovoados
De personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco
Dão-nos um pente e um espelho
Pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
Um avião e um violino
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida, nem é a morte

20/04/11

A Trilogia dos éFes (II) - Futebol



O adjunto, um tipo pequenito com nome de gramínea, tinha dado o mote – “o mister vai dar show, mas sem direito a perguntas, ok?”.
E assim foi. O mister pré-anunciado como salvador da pátria entrou a passos firmes na sala de imprensa, seguindo de perto pelo séquito e pelo tal adjunto pequenito, um tipo saltitante e de verbo fácil – em todo o lado há um fulano destes que transmitem em energia o que lhes falta em miolo.
Sempre atento aos detalhes, o pequenote adiantou-se ao líder da equipa técnica para ajeitar o microfone de serviço e de seguida olhou-o com ternura fazendo um pequeno aceno com a cabeça, quase imperceptível - “Está tudo a postos mister, show time!”.
O mister, colocando um ar confiante e grave, arregalou o olho azul pestanudo em direcção aos flashes e fez uma pausa pré-estudada para se deixar fotografar. Era evidente que na mise-en-scène havia trabalho de casa. Era notório que estudara o adversário ao pormenor tentando recrear-lhe os tiques e os toques, martelados até à exaustão por diligentes assessores de imagem.
Vinte e três segundos volvidos, o exacto tempo estabelecido para o momento Pepsodente, o mister tossicou duas vezes, passou os dedos pelos cabelos sedosos e iniciou a palestra, acentuado cada palavra com um exuberante movimento de braços e de mãos:
- “O projecto de Portugal, mas já estamos a falar os dois, eu e o FMI, vamos jogar, como eles sempre jogaram: PEC 5, 6, 7. Muitas vezes em casa, como eles também jogaram na Grécia e na Irlanda, vamos aplicar o PEC 8, 9, 10.
O plantel vai estar com 19 jogadores e mais um. Vários jogadores de futuro, que é para verem a nossa linha, mais ou menos, vai ser esta. Vou dar alguns nomes, esta é a nossa linha. Mendes Bota, Loulé, selecção Algarvia. Alberto J. Jardim, Madeira, é um jogador que tem partido a loiça toda, é um ponta de lança. Alberto J. Jardim. Fernando Nobre. Fernando Nobre, porquê? Fernando Nobre para mim é um jogador fantástico! Fantástico! É um jogador que ora joga à esquerda, ora à direita, ora ao centro, é um jogador fantástico! É o campeão da cidadania e costuma sair com brinde – aí uns seiscentos mil votitos.”
Subitamente o mister foi distraído por um jornalista que regurgitava o pesado almoço de cozido à portuguesa, reagindo à inconveniente eructação com visível irritação:
- “Sócio, por favor… peço-lhes por favor, senão paro, estou aqui concentradíssimo, por favor!”
Retomando o controlo da situação, o mister continuou a discorrer sobre o ardiloso projecto:
- “Quem vai ser o vigésimo jogador? O que é que Portugal tem de fazer com a situação económica que está? Tentar buscar dinheiro! Atão, o vigésimo jogador vai ser o melhor jogador líbio da actualidade. Porquê? Temos de ir buscar sponsers! Porquê? Porque se vem o melhor jogador líbio pr’aqui, vai vir charters todas as semanas de quatrocentos, quinhentos militares das forças aliadas para apanhar o fulano e bombardeá-lo. Portugal vai ter comissão nos charters, nas bombas, nas bifanas, etc, etc, etc. Vamos só abrir um departamento para este jogador líbio e aproveitamos para aumentar o IVA, privatizar a Caixa, plafonar os descontos para a Segurança Social, etc, etc, etc. Portugueses, isto é o projecto para irmos para a frente, não há outro. Vamos ganhar, vamos estar lá em cima outra vez! Portugal não pode nunca mais voltar à situação que está hoje!”


19/04/11

Ubíquo




Em entrevista ontem à noite à menina Campos Ferreira, o senador Freitas Amaral afirmou vezes sem conta que tem orgulho em ter feito parte do primeiro governo de Pinto de Sousa, e que este, a dada altura, porventura coincidente com a sua saída – digo eu, tinha mudado e passado a ser outra pessoa. Afinal de contas nada que não tivesse já acontecido ao próprio senador Amaral.
Nada tenho contra as pessoas que mudam de opinião. Só acho é que essa mudança deveria ser acompanhada de adequado período de nojo.

15/04/11

A Trilogia dos éFes (I) - Fátima





O Facebook está para o Sr. Silva como a azinheira da Cova da Iria estava para a Sra. Fátima (a do Céu - não confundir com a de Felgueiras). De quando em vez transcende-se e faz umas aparições na rede social para dar sermões e pregar à nação.
Demos graças por termos um presidente tão empenhado e tão comunicativo. E acreditem que descer do pedestal de luz para falar aos humanos não é tarefa nada fácil para um boliqueimense sobrecelestial que paira acima de qualquer questiúncula temporal.
Só lhe desejo sorte, que não esmoreça e que o Facebook não lhe corte o pio.


12/04/11

Professor Bambo


Nos dias que (es)correm, viscosos e purulentos, marcados pela vertigem da sucessão de episódios recambolescos e pelas habilidades de uma classe política incônscia e maioritariamente composta por gaiatos de idade adulta, escrever algumas linhas sobre o drama que estamos a viver é tão arriscado como partir de férias para a Líbia ou ser piolho na farta cabeleira que a Dra. Manuela Eanes ostentava nos idos da década de oitenta – uma autêntica aventura. Mesmo assim, arrisco, depois de um prudente silêncio a que me auto submeti.
Ora se dúvidas houvessem de que as eleições de 5 de Junho são uma pura perda de tempo e de recursos, com a entrada de rompante da troika FMI/BCE/CE e com a confirmação de que o ponto de partida para a negociação é o famoso PEC IV, rejeitado cirurgicamente pelo Sr. Passos, essas dúvidas ficam esclarecidas e confirmada também a falta de tacto político e de tomates do Sr. Silva. Neste contexto os programas eleitorais são uma quase mera ficção e a discussão passa a centrar-se praticamente e tão só nos protagonistas e numa qualidade que infelizmente tem acompanhado a evolução do crescimento da economia lusitana – o carácter. A confiança, ou a falta dela, parecem assim ensombrar as eleições mais complicadas da nossa vida democrática. O que pensar de gente que parece olvidar o essencial e que omite a situação real? O que dizer de gente que se contradiz à mesma velocidade que Berlusconi papa regazzas? O que pensar de um país em que já nem numa simples lata de salsichas se pode confiar? O que pensar?
É por tudo isto que estou a atingir o ponto de ebulição, de saturação e de explosão, e que cada vez que oiço os (ir)responsáveis políticos, em comunicações e em directos e indirectos induzidos e deduzidos por uma comunicação social ávida de gordura e de colesterol, me lembro deste cavalheiro. Afinal de contas nem o discurso nem os resultados são assim tão diferentes, pois não?


08/04/11

A ler nas cartas



Acho que vou ter de mudar de baralho – as cartas estão-me sempre a dizer o mesmo…
Mas como estamos na Quaresma, vou tentar não dizer (muito) mal do Pinto de Sousa, se me prometerem, é claro, que se vão todos confessar e que não nos voltam a mentir, combinados? 

05/04/11

Assinergia


Ontem, a dado passo da entrevista a Pinto de Sousa, face à incontida irritação do precário e ao frenesim da jornalista, que mostrava sinais evidentes de ter sido tomada de assalto por um exército de pulgas, ao mesmo tempo que era possuída pela alma penada de Margarida Marante, cheguei a temer o pior – “é agora, apagam a luzes de S. Bento e ligam o sistema de rega”. Ou como dizia a vendedeira do Bulhão: “o quadro foi-se abaixo”.
Felizmente os mercados estão atentos e não precisam de grandes estímulos. É sempre a facturar. "O último a sair que apague as luzes".


03/04/11

Repto



A dissolução do parlamento começa a provocar os primeiros estados de alma, polvilhados pelo aceno de lenços brancos e algumas, poucas, fungadelas.
O deputado João Pedrosa, natural do nosso concelho e eleito pelo circulo eleitoral de Leiria, já iniciou as despedidas (?) ao som do tema Time to Say Goodbay, ao qual acrescentou a frase inócua de conteúdo frívolo e aveludado - “a vida é assim, feita de partidas e chegadas, de idas e vindas, o que para uns são partidas para outros chegadas” - uma frase que poderia ter sido debitada mecanicamente por um qualquer futebolista no final de uma partida de resultado desfavorável. Talvez tenha ficado por dizer: “agora há que levantar a cabeça e começar a trabalhar para o próximo jogo”.
Aproveitando o embale de fim de ciclo induzido pelo nosso (de Leiria) deputado, sugiro-lhe que utilize o seu blog para fazer uma avaliação do mandato em que representou o eleitores deste distrito, dando-nos conta do que correu bem e menos bem ao longo deste ano e tal. Seria um excelente serviço que prestava à democracia, num país em que os políticos têm uma imagem muito desgastada e em que a maioria parece cultivar um distanciamento considerável em relação aos seus eleitores.
Fica lançado o desafio com a certeza (minha!) de que se não for acolhido é porque a carta não chegou a Garcia, ou por manifesta falta de agenda.


01/04/11

Cavaco foi "macaco"

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A par de outros símios, curiosos e galos de Barcelos que por aí regurgitam fel e acidez, cavalgando a insofismável onda estrutural do descontentamento colectivo, nos recentes episódios que desaguaram no pedido de escusa de Pinto de Sousa, assinalado com foguetório e bombinhas de mau cheiro por alguns inconsequentes angariadores de autógrafos sempre disponíveis para uma vendetta, o professor presidente recém-empossado portou-se à altura dos seus pergaminhos. Uma nódoa.
Com medo de que os recentes rancores coleccionados na campanha para Belém começassem a ganhar ranço, não se fez rogado e no dia em que iniciava funções de garante da estabilidade, subiu ao mais alto da tribuna do mosteiro de S. Bento da Saúde para lançar DDT sobre a pulgaria, ignorando por completo os danos colaterais das descuidadas patadas de elefante em loja de enxovais para noiva - mais de metade dos serviços de cristal e das porcelanas de Cantão ficaram em cacos, o noivo e a noiva desiludiram-se e a torpedeada credibilidade do Estado baixou dois furos no cinto, passando à notação de pré-comatoso. Estava dado o mote e confirmada a tremenda argúcia e intuição políticas do mais alto magistrado da nação.
Acto contínuo, Pinto de Sousa, ingenuamente ressabiado, procurou uma vez mais conforto no colo da Sra. Merkel e vai a jogo sem dar cavaco ao próprio e ao parceiro da oposição, piamente convencido de que o engomadinho Passos não haveria de tugir nem de mugir. Pinto de Sousa, não por táctica, mas por vingança, sem sequer imaginar o desfecho da malandrice, acabava de fazer cheque ao rei e papar a rainha.
E o que fez o presidente Silva? Básico: o que seria de esperar da sua postura de estadista apolítico - deitou óleo na fervura, saboreou com vagar duas delícias da pastelaria do lado, recebeu Passos para lhe segredar “vai-te a ele que eu não vi nada!”, e já estafado de tanto procurar soluções, tratou de difundir através dos canais preferenciais (na rede, of course…), a inexistência de “margem de manobra”. Olha a novidade - que o Sr. Silva tem pouca brecagem, já todos o sabíamos.
E foi assim, sem grande espanto, que ao fim de quinze dias a encanar a perna à rã, a beber chás com os partidos de responsabilidade limita e infusões com os sábios e descomprometidos conselheiros de Estado, o presidente anunciou ao país o que há muito estava anunciado – aceitou a vitimização de Pinto de Sousa, dissolveu o parlamento em dois decilitros e meio de champanhe sem gás, marcou nova falsa partida para 5 de Junho e lançou na chaga do desemprego temporário, governantes, deputados e uma resma incontável de primos, primas, amantes e umas figurinhas délficas que dão pelo curioso nome de “assessores”.
Não estou seguro de que baralhar, partir e voltar a dar venha trazer algo de novo, uma vez que o baralho já não tem trunfos e os jogadores são useiros e vezeiros no bluff e na batota. Também não estou certo de que o Sr. Silva tivesse conseguido resolver a questão por sua iniciativa, apelando a todos para se comportarem como homenzinhos e para porem acima de tudo os mais elevados interesses do país. Mas caramba, pelo menos podia ter tentado!... Podia ter mostrado que, para além da vasta bagagem e experiência que alardoou ao longo da boçal campanha, tem inteligência e coragem para enfrentar um dos mais complicados momentos da nossa existência enquanto Estado-Nação. Ao menos podia ter tentado…
Não fosse hoje o dia das mentiras e tudo o que acabo de escrever seria um insuportável pesadelo.