12/12/14

Pinar ou opinar, eis a questão




Ter ou dar opinião é saudável. Mas não ter ou não dar opinião, também é saudável. É um direito. E, atrevo-me, às vezes até deveria ser um dever. Contudo, a acrisia que reina nos media, na blogosfera, nas redes sociais, na sala de espera do posto médico ou na fila da caixa do Pingo Doce, condena este país à ditadura da opinião, a uma constante pressão para a formação de opinião precoce, a uma constante pressão para a marcação da agenda política, económica, social, com base no mediatismo da opinião dos mais iluminados.

Paradoxalmente, a verdade é que a opinião está definitivamente democratizada, o que até pode nem ser mau. O que é fracamente bom. Mau, é que a opinião seja transformada em verdade absoluta, é que não seja escrutinável, é que se baseie em suposições e não em factos, é que a opinião se transforme no próprio facto sendo por isso também objecto de opinião, é que a opinião seja transformada num momento de iluminação intelectual de peritos em… opinião. Mau, é que a opinião não se forme no tempo certo, com base na informação útil e necessária, de forma critica e responsável, em plano de igualdade, até porque a opinião é como a genitália, cada um tem a sua. Ou será que a vagina da Lurdes Rata, a minha mulher a dias, vale menos do que o falo do professor Marcelo ou a pilinha de Marques Mendes? – “Claro que sim!” – responderão vossas eminências pardas em geografia corporal. “Claro que sim!” – concedo eu, de orgulho ferido.

Porque, meus caros, o problema do país não é um problema de opinião. Não, não é. Aliás, estaríamos podre de ricos!... O problema é demográfico. É de envelhecimento da população. É de envelhecimento da opinião. E é por essa razão que deveríamos passar mais tempo a pinar e menos tempo a opinar. Até porque, mesmo antes de ser uma actividade recreativa, pinar é uma actividade criativa. E o país precisa urgentemente de gente feliz e criativa. O país precisa que mandemos os opinadores pinar!
Será que eu devia ir tomar o comprimido azul em vez de estar para aqui a emitir opinião?


10/12/14

Habeas Corpus da Semana


Entre a audição do primo mau e do primo bom, vou espreitando, sem grande entusiasmo, a despedida europeia do Glorioso.
No banco, mascando uma pastilha do tamanho dum tijolo, Jesus mostra tanto entusiasmo como eu.
Volto ao parlamento e deixo-me de novo embalar, horas a fio, pelo canto de aves canoras. Se ao menos Teresa Guilherme pudesse entrar em directo…
Ontem, pela primeira vez nas últimas semanas, Sócrates não foi a estrela da companhia. A audição aos primos Espirito Santo, roubou o prime time ao famoso recluso 44. Está tudo louco? Há que recentrar o tema e o debate. Como ninguém se chega à frente, eu assumo as despesas e apresento o habeas corpus da semana. E desta vez o argumentário não vai desleixado numa fotocópia de notícia de jornal. Vai na essência etimológica do termo. Do latim…




As custas ficam por minha conta.


05/12/14

Poesia Negra




- Ambrósio!
- Diga, senhor.
- Apetece-me ouvir algo.
- Pois não, senhor.
- Algo diferente, Ambrósio…
- Algo sofisticado?
- Sim Ambrósio, sofisticado e denso. Espúrio.
- Com certeza, senhor. Drummond de Andrade?
- Humm… não sei… preferia algo entre o lirismo reflexivo pós-moderno e o dramma bernesco…sei lá…
- Feteira Pedrosa, senhor?
- Parece-me bem, Ambrósio. Vamos a isso!
- É para já, senhor.

António Costa (que eu não apoiei nas eleições primárias) é o Secretário-Geral politicamente mais bem preparado da história do PS, se dúvidas houvesse dissipou-as hoje, todas, no seu discurso de encerramento. A referência simbólica ao 1º de dezembro exortando o bom sentimento de pertença a uma comunidade de destino, essa gutural e permanente proclamação da direita e a evocação do primado da liberdade individual por contraponto ao ultramontanismo bafiento do preconceito, são disso incontornáveis exemplos numa civilização á deriva e nem o monolitismo doutrinário expresso na equipa política mais próxima (com o banimento que se saúda do , metafórico, conselho de administração da massa falida cessante) da qual Fernando Medina é a estrela mais reluzente, apaga nada do que escrevi anteriormente. António Costa é o peixe de águas profundas da nova plataforma continental, alargada! Nunca tive dúvidas e acho que também não me vou enganar ou não fosse a perfeição uma acumulação limitada de imperfeição.

Dr. Deputado Feteira Pedrosa in Facebook


- Sublime Ambrósio, na mouche!
- Não tem de quê, senhor.
- Mas, Ambrósio, o Deputado Feteira Pedrosa não tinha dito cobras e lagarto de Monsieur Costa e dos seu correligionários, no próprio Facebook?
- Upa, upa, senhor… recomendações pouco abonatórias, diria eu em português suave. Esconjurou-os, vá.
- Consegues recuperar essas “recomendações” Ambrósio?
- Lamento senhor, mas foram surripiadas do mural.
- Estás a insinuar que o Deputado Feteira Pedrosa adoptou as más práticas estalinistas e apagou o que disse anteriormente do novo supremo e amado líder no facebook , Ambrósio?
- Claro que não, senhor! Nunca me atreveria a insinuar tamanha infâmia! Por certo foi… foi… Ah! Já sei. Foi excesso de zelo da senhora da limpeza – o que ela acha que não presta, manda para o lixo! E agora? Quer que lhe leia algo mais… aconchegante? Talvez, Henrique Neto? Medina Carreira?
- Prefiro uma ginja de Alcobaça, Ambrósio.


03/12/14

Sem dó, nem sol




Encontra-se a decorrer um concurso público para a aquisição de um piano, com um “valor de preço base” de 21.700€.

Não caindo na tentação fácil e básica do primeiro impulso, coloco o comprimido debaixo da língua, procuro baixar o ritmo cardíaco, regularizar a respiração e manter o diálogo num tom calmo, pausado e cordato. Faço um último apelo à (minha) razão e solto a pena. Cá vai.

Tenho dificuldade em entender certas coisas, sobretudo porque desconheço políticas, prioridades e critérios. Sobretudo porque desconheço a utilidade, a racionalidade e as alternativas. Sobretudo porque desconheço as motivações, a lógica e a oportunidade. Sobretudo porque desconheço…
Ah! Mas conheço o discurso das dificuldades e da falta de verbas. Conheço a narrativa da Lei dos Compromissos. Conheço a lenga-lenga da transparência e do rigor financeiro. E, sobretudo, sobretudo conheço as dificuldades dos agentes culturais do nosso concelho, a sua determinação, a sua vontade inabalável e as suas motivações. Apesar da falta de meios é gente que não se resigna. Que acredita.
Eu também quero acreditar que a compra do piano, que a compra deste piano, é uma decisão sensata, oportuna, útil e racional. Mas para isso só vislumbro uma hipótese que transformo num apelo pessoal:
Caro Dr. Vitor Pereira, por favor, para além dos magníficos vídeos que diariamente partilha connosco na rede, partilhe também, por favor, tudo o que precisamos saber para entender o que esperar deste executivo, para o presente e para o futuro da cultura no nosso concelho. Será que não leu o que escrevi sobre a futura política cultural para o Casal da Formiga? É só uma ideia...



01/12/14

Nada na manga!


Até à pretérita semana apenas três portugueses ainda não se tinham pronunciado sobre o caso do cidadão português, emigrante em Paris, preso na manga dum avião que regressava da cidade luz carregado de livros de filosofia e de ciência política, a saber: o Sr. Silva, a Lurdes Rata e eu.
Como entretanto o Sr. Silva também se pronunciou sobre o “tema candente”, sobro eu e a Lurdes Rata.
Quanto à Lurdes Rata, não sei. Penso que enquanto a Casa dos Segredos lhe for ocupando o neurónio não haverá qualquer reacção à actividade do infatigável juiz Alexandre e do “seu” TIC, que mais se assemelha a um SAP.
Já quanto a mim, reitero a indisponibilidade para falar sobre o que não sei nem conheço! Se tenho suspeitas? Sim tenho. Acho que a minha vizinha da frente anda a encornar o maridinho. Todos os dias por volta das três da tarde vejo sair duma carrinha cinzenta com os dizeres “Alcides – Desentupimentos e Encanalizações”, estrategicamente estacionada duas casas à frente, um careca luzidio de macacão azul, com uma chave inglesa numa mão e um smartphone na outra. Depois dirige-se apressadamente para a casa da presumível galdéria, olhando para todos os lados, como se estivesse a ser seguido, e penetra na vivenda cuja porta se abre e fecha subitamente. Por volta das quatro sai pelas traseiras, com a chave inglesa numa mão, o smartphone na outra e um sorriso de orelha a orelha. Eu sei que até transito em julgado o vizinho da frente não é manso, a mulher não é galdéria e o “encanalizador” apenas faz o seu trabalhinho. Mas pelo falatório do outro dia ao pé do contentor, já há dúvidas quanto à paternidade do mais novo que “é a carinha chapada do careca”, segundo comentava entre-dentes a Clementina “Badalhoca”. Era inevitável. Visceral.
Não devo contudo deixar de sublinhar uma reacção que tive à “intervenção” do Sr. Silva, de quase auto-defesa. Uma reacção desenvolvida de forma inconsciente ao longo dos anos, sempre que o Sr. Silva regorgita bolo Rei enquanto comenta em tom professoral a actualidade. Coço a pulga atrás da orelha e digo para comigo – “Bom, se o Sr. Silva diz que as instituições estão a funcionar com normalidade é porque, estão… Bem, da última vez a coisa correu mal. Estava ele entusiasmado a “vender” boas acções do BES e o Sami a abrir cova em Casal Galego…”
Apesar do meu conhecido gosto pelo ilusionismo, desta vez não tenho nada manga. Nem na minha nem na do avião que descolou de Paris com um inocente e que aterrou na Portela com uma rara peça de leilão: “Quem dá mais?”


21/11/14

A Cultura (no Casal da Formiga)



Chiça!
Agora só falta uma política para a cultura!

Grizalheiro


Não tenho nem nunca tive cargos políticos. Nem tão pouco ambições. Pela simples razão de considerar essa assumpção uma missão tão nobre e significativa que apenas deve ser assumida pelos mais dotados e melhor preparados.
No entanto, não tomando dores que não são minhas, mas questionando-me sobre o que faria se tivesse responsabilidades, tomo em mãos um pequeno exercício que poderia resultar certamente numa discussão eventual e virtual sobre o tema. Porém, não tenho expectativas. Pensar dá trabalho e, como muito bem recordava o Armando Constâncio na rede, citando Aristóteles, “só existe uma maneira de evitar as críticas: não fazer nada, não dizer nada e não ser nada”.
É que de facto, a constatação “la palissina” sobre a ausência duma política cultural para o concelho, nunca se converte num momento de partilha de ideias e de acréscimo de valor, nunca se transforma na questão mais básica que nos poderíamos colocar a nós próprios: e se fosse eu, o que faria?
Está decidido. Saiu da minha zona de conforto e concentro-me, sem delongas, num esboço-resumo. A pedido, talvez possa desenvolver e tecer considerações de natureza politico-filosóficas de grande profundidade intelectual e de profundo amadurecimento teleológico. Contudo, aviso-vos já, não fica nada barato.


… apontamentos de um virtual vereador sombra, sobre a definição duma Política Cultural para o futuro município do Casal da Formiga:

Objectivo:
- proporcionar a toda a comunidade concelhia a prática e o acesso a vivências culturais e artísticas potenciadoras do seu desenvolvimento, bem-estar e qualidade de vida, contribuindo de forma determinante para o aumento exponencial da “Felicidade Interna Bruta”;
- promover a democracia participativa através da cultura e das artes;
- projectar além-concelho todos os projectos culturais e artísticos de reconhecido mérito;

Eixos Estruturais:
- Cultura do ensino;
- Cultura da memória;
- Cultura da criação;

Linhas de Acção:
- Identificação das regras de acesso, competências e atribuição do estatuto de Parceiro Cultural (apenas entidades sem fins lucrativos – associações culturais, de sector, museus, etc);
- Definição das regras de acesso e atribuição de financiamento aos Parceiros Culturais e a candidaturas de outras entidades;
- Criação do Conselho Cultural Permanente (Parceiros Culturais e Município, em parceria e articulação, sob coordenação do Município) – definição do calendário cultural anual, atribuição de competências co-organizativas, identificação de projectos culturais e artísticos de reconhecido mérito, reorganização e rentabilização de espaços físicos individuais, e auscultação e conselho sobre linhas de acção;
- Definição das regras de utilização de todos os equipamentos culturais do Concelho;
- Definição do modelo de funcionamento e de gestão da Casa da Cultura;
- Aprovação e divulgação, atempada, dos subsídios a atribuir no ano seguinte, mediante a apresentação de projectos culturais e artísticos enquadráveis nos objectivos da política cultural, e ponderados pela relevância atribuída a cada um dos Eixos Estruturantes;
- Controlo anual do cumprimento dos objectivos genéricos de política cultural, e em particular dos projectos financiados, sua divulgação e discussão pública;
- Desenvolvimento de parcerias com entidades públicas e privadas, para a concretização e/ou desenvolvimento de núcleos museológicos, em espaços colectivos e em espaços industriais;



E mais não digo para vos não maçar.



13/11/14

"Há Legionella na Justiça!"




Por momentos Teixeira da Cruz experimentou uma sensação de alívio. Após alguns dias de uma inusitada prisão de ventre, tinha acabado de largar, sem esforço aparente, um presente do tamanho de um generoso leitão.
Olhou em redor procurando descobrir onde raio estava o papel higiénico ou algumas toalhitas. Em vão. Crato e Machete tinham derretido todo o stock de material de higienização corporal, após longas e persistentes diarreias. Só havia uma solução. Usar as próprias mãos e a seguir limpá-las à parede. Mal por mal sempre evitaria dar cabo do underwear renda de pelúcia novinho em folha que vestira pela manhã. Embora sujeita a cortes orçamentais, não prescindia do conforto Victoria’s Secret.
Apesar do ar irrespirável, da Cruz não tinha a noção clara de que poderia sucumbir vítima de si própria. Foi por isso que, já a cambalear mas na maior das calmas, decidiu abandonar o pequeno cubículo sanitário, não antes sem ajeitar o cabelo e o saia-casaco azul-bebé.
Voltou a olhar em redor. Desta vez não procurava nem papel higiénico nem toalhitas. Procurava culpados. Sabotadores. Toupeiras. Infiltrados. Qualquer coisa que lhe permitisse justificar o colapso do programa informático que ajudava a empurrar a justiça com a barriga.
Foi então que, à sua esquerda, reparou em duas pequenas nuvens que ser erguiam sobre dois enormes e potentes computadores, que ocultavam por completo os frenéticos funcionários que trabalhavam arduamente por de trás. "Aerosóis!", concluiu de imediato. De certeza que as duas pequenas nuvens eram gotículas de água carregadas de colónias de Legionella. Estava ali a razão de toda a desgraça.
Ao mesmo tempo que corria para o telefone fixo estrategicamente situado à saída da sala de comando, berrou a plenos pulmões – Ninguém se mexe! Ninguém respira! Ninguém faz nada até ordens em contrário!
Com a destreza dum bisonho, contactou as autoridades especializadas e aguardou em posição de ataque.
As brigadas de intervenção sanitária chegaram ao local pouco tempo depois e deram de imediato inicio à colheita de amostras e aos inquéritos da praxe. Atrás dos dois computadores suspeitos, os funcionários destacados permaneciam inertes e lívidos. Não tanto pelo aparato, mais pelo cheiro nauseabundo que inundava a sala.
Após algumas horas de testes, inquirições, pesquisas e investigações, George, o chefe do piquete de intervenção, mandou recolher o pessoal e o material, dirigindo-se a Teixeira da Cruz para fazer o ponto da situação:
- Os funcionários dos computadores estão a gripar. As nuvens que se viam por cima das cabeças dos suspeitos eram fumo relacionado com o sobreaquecimento das moleirinhas. Dê-lhes descanso e Guronsan, que eles estão agoniados. Já agora. Tem ideia que cheiro intenso seja este? Até parece que alguém fez m… fezes…
Teixeira Cruz empertigou-se no saia-casaco azul-bebé e respondeu de pronto.
- Não faço a mínima!...

31/10/14

Vénia





Obrigado!
Muito obrigado!
É o mínimo que posso fazer. Agradecer reconhecidamente a todos os artistas amadores que levaram ao palco do Teatro Stephens durante seis noites consecutivas, repito: seis noites consecutivas, o espectáculo de abertura da nova Casa da Cultura.
Vai para eles o meu aplauso! De pé!...

Era bom que todos repetíssemos o gesto, principalmente aqueles que apenas se lembram do capítulo dos direitos, que exigem sem nada dar em troca, que semeiam ventos, que olvidam a obrigação de dizer um simples “obrigado” pelo sacrifício pessoal e familiar destas dezenas de pessoas que há mais de quinze dias, todas as noites, de forma ininterrupta, fizeram do palco do Teatro Stephens a sua casa, e dos seus colegas de ofício a sua família mais próxima. Apenas por amor.


28/10/14

Viva o Teatro Stephens






Foi com alguma emoção que voltei a entrar no Teatro Stephens, e foi também com alguma comoção que assisti ao “Palco de Memórias”, um espectáculo digno do momento, feito por marinhenses para marinhenses. Revivi gentes e tempos, afundei-me na cadeira de veludo escarlate e deixa rolar algumas lágrimas. Poucas. Coisas da idade.

Quanto à programação agendada, de entrada livre, um reparo.
No dia 21 de Novembro haverá um concerto único de António Zambujo, apenas acessível aos felizardos que esgotarão por certo a lotação do teatro, cerca de duzentas e tal pessoas (não sei precisar a lotação, uma vez que essa informação não está disponível).
De acordo com a informação disponibilizada na acta 21 de 18/09/2014 (disponível no site da CMMG), a contratação do cantor custará 8.500€ mais IVA.
Para um espectáculo único, de entrada livre e limitada a reduzido número de pessoas, parece-me difícil de perceber a relação custo/benefício. Tanto mais que uma parte substancial dos lugares, suponho eu, será ocupado por pessoas próximas da câmara (executivo, familiares e amigos, membros da assembleia municipal, familiares e amigos, etc, etc, etc – os que em “tempo útil” reservaram bilhetes).
Pelas razões invocadas parece-me que fazia todo o sentido que o espectáculo não fosse de acesso gratuito. Por uma questão de equidade.

---///---

Na sequência deste reparo li a referida acta 21, da qual passarei a transcrever o ponto 19 relativo a este assunto.
Ridícula a forma e o conteúdo obrigatórios para a aprovação da contratação deste serviço. É o Estado que temos, tão rigoroso e formal numas coisas e tão ligeiro noutras. Ou muito me engano ou é fracamente mais simples resgatar um banco do que contratar o Zambujo.
Chamo a vossa particular atenção para o parágrafo por mim sublinhado. Uma pérola.


19 - PARECER PRÉVIO VINCULATIVO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO N.º 11 DO ARTIGO 73º DA LEI N.º 83-C/2013, DE 31 DE DEZEMBRO, QUE APROVA O ORÇAMENTO DE ESTADO PARA O ANO DE 2014, PARA A CONTRATAÇÃO DE “CONCERTO DE ANTÓNIO ZAMBUJO”.

745 - A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2014, veio dar continuidade a um conjunto de medidas introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2011, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2012 e pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado de 2013, tendo em vista a redução dos encargos do Estado e das diversas entidades públicas.

Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 73º da Lei do Orçamento de Estado de 2014, a celebração ou a renovação de contratos de aquisição de serviços por órgãos e serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 47/2013, de 5 de abril, alterado pela Lei nº 66/2013, de 27 de agosto, independentemente da natureza da contraparte, designadamente no que respeita a:
a) Contratos de prestação de serviços nas modalidades de tarefa e de avença;
b) Contratos de aquisição de serviços cujo objeto seja a consultadoria técnica.
carecem de parecer prévio vinculativo dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, nos termos e segundo a tramitação a regular por portaria dos referidos membros do Governo.

Para os organismos e serviços da Administração Pública abrangidos pelo âmbito de aplicação da Lei n.º 12-A/2008 de 27 de fevereiro, foi publicada no Diário da República a Portaria 53/2014 de 3 de março, que regulamenta os termos e a tramitação do parecer prévio vinculativo dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, previsto no n.º 4 do artigo 73.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e nos nºs 4 e 5 do artigo 35.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro.

O n.º 11 do art.º 73 da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado de 2014, estabelece que, nas autarquias locais, o parecer prévio vinculativo previsto no n.º 4 do mesmo artigo é da competência do órgão executivo e depende da verificação dos requisitos previstos nas alíneas a) e c) do número 5 do mesmo, bem como da alínea b) do mesmo número, com as devidas adaptações, sendo os seus termos e tramitação regulados pela portaria referida no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 209/2009, de 3 de setembro, alterado pelas Leis n.ºs 3 – B/2010, de 28 de abril, e 66/2012, de 31 de dezembro.

Na presente data continua por publicar a portaria referida no parágrafo anterior, sendo que a necessidade da sua publicitação já vem sendo referida desde a Lei do Orçamento de Estado de 2010, Lei n.º 3-B/2010 de 28 de abril, atenta alteração consagrada no mesmo ao art.º 6.º do Decreto-lei n.º 209/2009, de 3 de setembro. Assim, para a Administração Local não existe regulamentação quanto aos termos e tramitação do parecer prévio vinculativo, previstos nos n.ºs 4 e 11 do artigo 73.º da Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de dezembro.

Apesar da ausência de regulamentação para a Administração Local é entendimento generalizado de diversas entidades, nomeadamente a DGAEP, que o parecer prévio vinculativo e a redução remuneratória se aplicam às autarquias locais.

Assim sendo e considerando que nos termos do n.º 11 do artigo 73º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, a emissão do parecer prévio vinculativo, depende da verificação dos requisitos preceituados nas alíneas a) e c) do n.º 5 do referido artigo, bem como da alínea b) do mesmo número e artigo, a saber:
- Se trate da execução de trabalho não subordinado, para a qual se revele inconveniente o recurso a qualquer modalidade da relação jurídica de emprego publico e da inexistência de pessoal em situação de mobilidade especial apto para o desempenho das funções subjacentes à contratação em causa;
- Seja observado o regime legal da aquisição de serviços;
- O contratado comprove ter regularizado as suas obrigações fiscais e com a segurança social;
- Confirmação de declaração de cabimento orçamental;
- Aplicação de redução remuneratória preceituada no art.º 73º, n.º 1 da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento Estado para o ano de 2014 e no art.º 2º da Lei 75/2014 de 12 de setembro, de acordo com os quais a redução remuneratória é aplicável aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços que, em 2014, venham a renovar-se ou a celebrar-se com idêntico objeto e ou contraparte do contrato vigente em 2013.

Presente a requisição interna n.º 13923/2014 e informação I/1222/2014, da DCD – Divisão de Cidadania e Desenvolvimento, nas quais se manifesta a necessidade de contratação do “Concerto de António Zambujo”, a realizar no dia 21 de novembro de 2014, na Casa da Cultura-Stephens, cujo contrato a celebrar carece de parecer prévio vinculativo nos termos do disposto no n.º 11 do art.º 73.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014.

Considerando que o objeto do contrato a celebrar consiste na realização de espectáculo musical, cuja globalidade das tarefas a executar serão exercidas com autonomia, sem caráter de subordinação e imposição de horário de trabalho, revelando-se inconveniente o recurso a qualquer modalidade da relação jurídica de emprego público.

Considerando que a Portaria 48/2014 de 26/02, determina que seja realizada a verificação prévia, da existência de trabalhadores em situação de requalificação, aptos a suprir as necessidades identificadas, através de formulário a submeter no site do INA e que através de mail, datado de 16/09/2014, o INA informou que não existem trabalhadores em situação de requalificação para a realização dos serviços objecto do procedimento a contratar, conforme se atesta em mail anexo.

Considerando que o contrato a celebrar carece de parecer prévio vinculativo nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 73.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014 e que o procedimento a adotar é o Ajuste Direto previsto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a) do Código dos Contratos Públicos, atendendo a que se prevê um valor do contrato inferior a 75.000,00 €.

Considerando que a DCD propõe o convite à empresa SONS EM TRÂNSITO - ESPECTÁCULOS CULTURAIS, UNIPESSOAL, LDA, NIPC 506 734 579, e que esta possui a sua situação regularizada no que respeita às suas obrigações fiscais e para com a segurança social, conforme documentação em anexo.
Considerando que se encontra inscrito em Plano de Atividades Municipais de 2014 a dotação para a assunção de despesa no ano de 2014 para a contratação do “Concerto de António Zambujo”, na classificação orgânica/económica 06/020220, ação do PAM 2014/A/123, tendo sido emitido o cabimento n.º 2236/2014.

Considerando que o preço base a aplicar é de 8.500,00€, acrescidos de I.V.A. à taxa legal em vigor, sendo este o preço máximo que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações de serviços objeto do contrato a celebrar e que este não está sujeito a redução remuneratória, preceituada no n.º1 do art.º 73º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014, por não existir contrato com idêntico objecto celebrado no ano de 2013, não havendo, por este facto, termo de comparação, conforme se atesta em documentação anexa e em cumprimento do preceituado.

Considerando que nos termos do disposto na alínea b) do art.º 3.º da Lei n.º 8/2012, são compromissos plurianuais aqueles que constituem obrigação de efetuar pagamentos em mais do que um ano económico, conceito que não se aplica ao contrato que se pretende celebrar para a contratação do “Concerto de António Zambujo”, por os pagamentos inerentes serem efetuados na íntegra no ano de 2014, não ocorrendo a assunção de compromissos plurianuais.

Face ao exposto e considerando que se encontram cumpridos os requisitos preceituados nos n.º 4 e n.º 5 do artigo 73º da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado de 2014, a Câmara Municipal delibera, de acordo com o n.º 11 do artigo 73.º da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, emitir parecer favorável à contratação do “Concerto de António Zambujo”, a realizar no dia 21 de novembro de 2014, na Casa da Cultura-Stephens.

Esta deliberação foi tomada por unanimidade.


23/10/14

Experimentação




Qualquer variedade tridimensional fechada e com grupo fundamental trivial é homeomorfa a uma esfera tridimensional.

Teorema de Poincaré



Crato, o matemático português que Passos não se arrepende de ter escolhido para ministro da Educação, compreende perfeitamente o que está em causa no Teorema Poincaré. Mas será que tem o mesmo discernimento a respeito das funções que Passos lhe atribuiu?
Para obter resposta a esta pergunta, decidi fazer um pequeno ensaio. Despretensioso. Caseiro.
- Ó Lurdes, chega aqui.
Lurdes Rata, a minha mulher a dias que pouco mais sabe do que escrever o nome e ler as promoções na Dica da Semana, entrou na sala e olhou-me com desconfiança.
- O que é que fiz desta vez? As manchas de lixivia que estão nas calças novas não fui eu! – afiançou. Tomei nota da auto-denúncia…
- Não tem nada a ver contigo. Ando aqui com umas dúvidas e preciso que me dês uma ajuda. Quero fazer-te duas ou três perguntas, pode ser?
- Você está-me p’ra me quilhar!?… O que é que quer?
- Lurdes, sabes para que serve a escola?
- Claro, para ensinar os meninos! – respondeu de pronto.
- E para ti o que é que é o mais importante na escola? O que é que vem em primeiro lugar?
- Os meninos!
- Está bem. E…
Lurdes interrompeu-me.
- O importante é que os meninos aprendam e sejam felizes!
- Está bem. Mas a escola é mais do isso.
- Claro que é, olha que porra! Para os meninos aprenderem e serem felizes é preciso que os professores sejam bons, que a escola tenha boas condições, uma boa cantina, e é preciso que os meninos com mais dificuldades tenham ajuda, que os funcionários sejam simpáticos. Olhe, na escola dos meus há alguns que passam por lá um mês ou dois e depois vêm outros, credo! Até parece que caem lá de paraquedas. Diz que são “póques” ou lá que raio é.
- Certo. Mas, para teres bons professores, o que é que achas que é preciso?
- Olhe, eu cá no meu entendimento acho que lá só deviam estar os que gostam. E depois sentirem-se estimados. Olhe, a professora do meu mais velho veio de Viseu. Já viu o que é uma mulher com homem e garotos pequenos vir pr’aqui baldeada? Não deve ganhar pró que gasta… eu cá preferia ficar em Viseu, nem que fosse a lavar retretes.
- Sim mas, se calhar ela vem porque dar aulas é aquilo que gosta de fazer.
- Mas olhe que os professores hoje em dia aturam cada coisa. No meu tempo havia respeito! E depois as professoras dos meus estão sempre a dizer que passam o tempo a preencher cada vez mais papelada em vez de estarem a ensinar.
- Queixam-se muito, é?
- Olhe que quando você me manda fazer coisas que não lhe vejo proveito, também não acho grande piada. E os livros?
- Obrigado Lurdes. É só.

Lurdes Rata, que é mulher sem grande instrução, em duas ou três pinceladas revelou mais sensibilidade e bom senso do que o matemático Crato.
No essencial estou de acordo com aquilo que disse. A formação dos “meninos” de hoje, homens de amanhã, o mais importante de tudo, nunca poderá ser feito numa escola em que não se investe num corpo docente e auxiliar preparado, estável, motivado e respeitado (por todos sem excepção!), numa escola em que não se investe no apoio aos mais desprotegidos, numa escola em que se investe na burocracia e nos desperdício de tempo e de recursos, numa escola em que pura e simplesmente não se investe porque pura e simplesmente se confunde investimento com despesa.
Caro Passos, lamento informá-lo. Lurdes Rata, a minha humilde mulher a dias, está muito melhor preparada para assumir a pasta da Educação do que o eminente matemático Crato, escolhido por si.
Aqui que ninguém nos ouve: exonere lá o moço e “livre-me” da Lurdes por uns tempos. Apenas os suficientes para ela pôr a casa em ordem. Aceita o meu repto? Ou será que também se sente ameaçado?



20/10/14

Arte e Manhas



Enquanto beberrico um pequeno cálice de ponche, tento em vão concentrar-me. A escrita não se compadece com o turbilhão de ideias e mensagens que gravitam  em torno do cérebro, que chocalham dentro do cérebro. Muitas vezes o problema nem é de “inspiração”, é de síntese. A fronteira entre a verborreia e a legibilidade é tão ténue, que até a inocente cantilena que Lurdes Rata ensaia à capela enquanto engoma as camisas da semana, um dos clássicos da vasta obra de Tony Carreira, se torna num obstáculo quase intransponível. – Tá calada mulher! – grito eu da sala. Lurdes acusa o toque e manda-me à merda, de caminho. Faz-se-me luz – é isso mesmo, é por aí que devo começar: “este Orçamento de Estado é uma merda!”. A adjectivação não é iconoclasta, é mesmo biológica…

Goebells, ou até o trapalhão Mohammed al-Sahhaf, não fariam melhor. A propaganda aos supostos méritos do OGE de 2015 está na rua e faz o seu imperturbável caminho, acolitada por zarolhos, coxos, comentadores, peritos e videntes. As rotativas não dão tréguas e as parangonas sublinham o jackpot: “Cada filho vale 925€ no IRS” (Correio da Manhã); “Alívio fiscal nos salários já em 2015” (Jornal de Notícias); “Pensões médias e altas pagam menos” (Jornal de Negócios); etc etc, etc; apenas a Nova Gente, quase sempre atenta ao mais ínfimo pormenor, prefere um caminho bem mais tortuoso mas não menos aliciante, revelando aos seus leitores segredos de alcova da viçosa monarquia: “D. Duarte tem hipoteca no BES” … apenas ficou por esclarecer se no bom, ou no mau… detalhes…
Não fossem os perigosos marxistas-leninistas, comunistas empedernidos e maoistas ressabiados, Bagão Felix, Manuela Ferreira Leite e Pacheco Pereira, a desalinhar, e a procissão seria um passeio pelos media. É inaceitável a forma despudorada como a ministra Luis e os restantes cobradores do fraque, que parece ainda gozarem de boa imprensa (pasme-se), passam uma esponja meio húmida sobre o brutal aumento de impostos, que não vê alívio, sobre a incompreensível fixação de um limite para os apoios sociais, sobre o fim da clausula de salvaguarda do IMI, sobre os inqualificáveis cortes na despesa (com o epíteto de “poupança”), que mais não são do que um desinvestimento colossal nas primordiais funções do Estado (educação, saúde, etc), sobre a tramóia da “fiscalidade verde”, uma espécie de colecta fofinha, ecológica, moderna, que mais não visa do que extorquir o pouco que sobra à carneirada, sob a capa de supostas preocupações de sustentabilidade ambiental. E no topo do monte de esterco, voilà, a poia ainda fumegante: [o orçamento para 2015] “é fiscalmente mais moderado” (dixit Mr. Harry Porttas, ex-defensor dos reformados, dos espoliados, dos contribuintes, dos encalhados e dos portadores assintomáticos de cálculos renais).
Mais uma vez o traço ideológico do orçamento não deixa dúvidas à alvura do algodão e a nova baixa da taxa de IRC sintetiza essa preocupação para com os que mais sofrem com a crise – os grandes contribuintes de IRC, na sua maioria empresas em regime de monopólio ou semi-monopólio, e que também na maioria dos casos não se dedicam à produção de bens transaccionáveis, muitas delas exercendo inclusivamente actividades especulativas. Sejamos sérios, em que é que se traduz a baixa de IRC? Apenas numa coisa muito simples e óbvia, num alívio fiscal para os que mais deveriam contribuir e numa sobrecarga para os do costume. Mas porventura alguém com dois dedos de testa associa a baixa da taxa de IRC na actual conjuntura, à competitividade, ou ao investimento, ou à criação de postos de trabalho? É que se assim fosse, a baixa de IRC de 2013 para 2014 já estaria a produzir efeitos.
Verdade seja dita, quaisquer que fossem as medidas para 2015, haveria sempre por onde pegar. Porque se por hipótese, meramente académica e inverosímil, este governo de saloios diminuísse a carga fiscal, só provaria que tudo o que fez desde o início foi errado, conforme já o reconheceu, o ex-futuro boy do FMI, Vitor Gaspar.
Passos & Portas, as duas faces da moeda deste governo sem crédito não são, de facto, fundamentalistas orçamentais, são apenas cretinos orçamentais. Em bom.


17/10/14

Mais Eça!




- Então, Cohen, diga-nos você, conte-nos cá... O emprestimo faz-se ou não se faz?
E acirrou a curiosidade, dizendo para os lados, que aquella questão do emprestimo era grave. Uma operação tremenda, um verdadeiro episodio historico!...
O Cohen collocou uma pitada de sal á beira do prato, e respondeu, com auctoridade, que o emprestimo tinha de se realisar absolutamente. Os emprestimos em Portugal constituiam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensavel, tão sabida como o imposto. A unica occupação mesmo dos ministerios era esta - cobrar o imposto e fazer o emprestimo. E assim se havia de continuar...
Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, d'esse modo, o paiz ia alegremente e lindamente para a banca-rota.
- N'um galopesinho muito seguro e muito a direito, disse o Cohen, sorrindo. Ah, sobre isso, ninguem tem illusões, meu caro senhor. Nem os proprios ministros da fazenda!... A banca-rota é inevitavel: é como quem faz uma somma...
Ega mostrou-se impressionado. Olha que brincadeira, hein! E todos escutavam o Cohen. Ega, depois de lhe encher o calice de novo, fincara os cotovellos na meza para lhe beber melhor as palavras.
- A banca-rota é tão certa, as cousas estão tão dispostas para ella - continuava o Cohen - que seria mesmo facil a qualquer, em dois ou tres annos, fazer fallir o paiz...
Ega gritou soffregamente pela receita. Simplesmente isto: manter uma agitação revolucionaria constante; nas vesperas de se lançarem os emprestimos haver duzentos maganões decididos que cahissem á pancada na municipal e quebrassem os candieiros com vivas á Republica; telegraphar isto em letras bem gordas para os jornaes de Paris, Londres e do Rio de Janeiro; assustar os mercados, assustar o brazileiro, e a banca-rota estalava. Sómente, como elle disse, isto não convinha a ninguem.
Então Ega protestou com vehemencia. Como não convinha a ninguem? Ora essa! Era justamente o que convinha a todos! Á banca-rota seguia-se uma revolução, evidentemente. Um paiz que vive da inscripção, em não lh'a pagando, agarra no cacete; e procedendo por principio, ou procedendo apenas por vingança - o primeiro cuidado que tem é varrer a monarchia que lhe representa o calote, e com ella o crasso pessoal do constitucionalismo. E passada a crise, Portugal livre da velha divida, da velha gente, d'essa collecção grotesca de bestas...
A voz do Ega sibillava... Mas, vendo assim tratados de grotescos, de bestas, os homens d'ordem que fazem prosperar os Bancos, Cohen pousou a mão no braço do seu amigo e chamou-o ao bom-senso. Evidentemente, elle era o primeiro a dizel-o, em toda essa gente que figurava desde 46 havia mediocres e patetas, - mas tambem homens de grande valor!
- Ha talento, ha saber, dizia elle com um tom de experiencia. Você deve reconhecel-o, Ega... Você é muito exagerado! Não senhor, ha talento, ha saber.
E, lembrando-se que algumas d'essas bestas eram amigos do Cohen, Ega reconheceu-lhes talento e saber. O Alencar porém cofiava sombriamente o bigode. Ultimamente pendia para idéas radicaes, para a democracia humanitaria de 1848: por instincto, vendo o romantismo desacreditado nas letras, refugiava-se no romantismo politico, como n'um asylo pararello: queria uma republica governada por genios, a fraternisação dos povos, os Estados Unidos da Europa... Além d'isso, tinha longas queixas d'esses politiquotes, agora gente de Poder, outr'ora seus camaradas de redacção, de café e de batota...
- Isso, disse elle, lá a respeito de talento e de saber, historias... Eu conheço-os bem, meu Cohen...
O Cohen acudiu:
- Não senhor, Alencar, não senhor! Você tambem é dos taes... Até lhe fica mal dizer isso... É exageração. Não senhor, há talento, ha saber.
E o Alencar, perante esta intimação do Cohen, o respeitado director do Banco Nacional, o marido da divina Rachel, o dono d'essa hospitaleira casa da rua do Ferregial onde se jantava tão bem, recalcou o despeito - admittiu que não deixava de haver talento e saber.
Então, tendo assim, pela influencia do seu Banco, dos bellos olhos da sua mulher e da excellencia do seu cosinheiro, chamado estes espiritos rebeldes ao respeito dos Parlamentares e á veneração da Ordem, Cohen condescendeu em dizer, no tom mais suave da sua voz, que o paiz necessitava reformas...
Ega porém, incorrigivel n'esse dia, soltou outra enormidade:
- Portugal não necessita refórmas, Cohen, Portugal o que precisa é a invasão hespanhola.


“O Maias”

Eça de Queiroz

(1888*)


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* de 1888 para 2014… é só fazer as contas…



07/10/14

Confesso-me agnóstico








Pedi à Lurdes Rata que me fosse buscar o espremedor dos limões e tentei a minha sorte. Quase nada. Apenas meia dúzia de pequenas gotas escorreram para a base do espremedor. Talvez tenha utilizado o equipamento errado, pensei cá para comigo. Vou tentar a centrifugadora Moulinex. Talvez tenha mais sorte. Talvez a força centrifuga consiga o milagre de transformar os chavões pré-cozinhados, soprados por um qualquer guru pós-moderno, em meio decilitro de sumo. Já não peço mais…

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Ora pensava eu que uma identidade se construía ao longo de anos, com base no ADN herdado e em resultado daquilo que são competências técnicas (e artísticas) adquiridas e consolidadas ao longo de diversas gerações. Ora pensava eu que a Marinha Grande era única e irrepetível pelo património industrial (e cultural associado) acumulado ao longo de anos e anos de trabalho árduo e de empreendedorismo autêntico. Ora pensava eu que todo o trabalho se devia concentrar num esforço autêntico e genuíno para recuperar, preservar, manter, desenvolver e elevar a patamares superiores de excelência aquilo em que orgulhosamente nos revemos e em orgulhosamente somos competentes, a nossa verdadeira identificação colectiva. Quando, por artes mágicas - abra-cadabra - descubro que a mudança de identidade se pode decretar através de uma simples intervenção plástica, estética, em resultado da manipulação em laboratório, uma espécie de identidade proveta trazida á luz do dia por estrangeirados e iluminados.
Não sou contra a modernidade nem contra novos conceitos. Não sou contra o design nem contra novas tendências. Não sou contra a engenharia nem contra a investigação e desenvolvimento. Mas sou absolutamente contra uma política pacóvia de destruição dum património secular, sobretudo por omissão, rendida a uma suposta visão redentora duma nova identidade, um espécie de desígnio colectivo que não tem qualquer suporte, nem económico, nem social, nem político, e que, acima de tudo, não encontra o mais pequeno eco na prática duma equipa que lidera de forma amadora e casuística os destinos da nossa amada terra.
“Que se deixe cair a Capital do Vidro e dos Moldes “ – proclamou o rei! – “Mandem anunciar por todo o reino que de agora em diante seremos o Centro de Engenharia & Design. E agora vou-me retirar que estou estafado! É que esta coisa de perspectivar o vosso futuro é uma coisa que me consome muita energia! Não é Vitinho?”



25/09/14

Ora Eça!



O Deputado Pedrosa, um fulano cordato e perspícuo, que arrota azia a Medeiros e que cita Dumas e Jorge Jesus enquanto vibra de fervor num idílico campo de papoilas saltitantes, decidiu dar à estampa no seu pasquim virtual face-to-face, um terno momento de reconciliação e de indulgência. De elevada nota artística. Atentemos pois à coisa dita:

Uma moldura humana impressionante ontem no jantar de Antonio José Seguro em Lisboa, mais de mil pessoas na iniciativa. Apesar da angústia por um partido dilacerado, há também aspectos positivos, nota-se uma grande adesão em ambos os lados, iniciativas com centenas e mesmo milhares de socialistas e simpatizantes, o que dá ao dia 29 de Setembro um sinal de esperança ou não fosse, claro está, este o meu dia de aniversário.

Embaçado pela significância e pela delicada acutilância da prosa, entre o coice de mula velha e a doçura do mel de rosmaninho, recordei o velho Eça na sua sublime e magistral obra prima “Os Maias”, a qual me atrevo a copiar, cuidadosamente:

Citou então o exemplo do Gouvarinho: alli estava um homem de occupações, de posição politica, nas vesperas de ser ministro, que não só ía ao baile, mas estudara o seu costume: estudara, e ía muito bem, ía de marquez de Pombal!
- Reclame para ser ministro, disse Carlos.
- Não o precisa, exclamou Ega. Tem todas as condições para ser ministro: tem voz sonora, leu Mauricio Block, está encalacrado, e é um asno!...
E no meio das risadas dos outros, elle, arrependido de demolir assim um cavalheiro que se interessava pelo baile dos Cohens, acudiu logo:
- Mas é muito bom rapaz, e não se dá ares nenhuns! É um anjo!


19/09/14

Bolsa. De valores?


Com o ar fresco e jovial duma manhã sombria de fim de verão, o pivot mal-dormido anunciou a menina da Reuters, que iria trazer as mais serenas e apaziguadoras notícias dos mercados - hoje, dezanove de Setembro do ano da desdita de dois mil e catorze, os mercados “abriram em alta”.
Cunha Lima, a menina da Reuters, confirmando a deixa do mal-dormido, reiterou a abertura dos mercados em alta, justificando o facto com a vitória do “não” no referendo na Escócia. Mais, disse a menina Cunha Lima da Reuters, que os mercados reagem positivamente à estabilidade política, penalizando as situações de incerteza, como supostamente seria o caso da vitória do “sim”.
É sempre bom acordar a uma sexta-feira dezanove de Setembro do ano da desdita de dois mil e catorze, e saber, através da menina da Reuters, que os mercados gostam de “estabilidade” e que têm “reacções”. Tanto mais tranquilizante, para um país com uma dívida pública à volta dos 134% do PIB…
Por uma questão de preguiça intelectual, poderia até ficar sossegado a ruminar as "boas novas" da menina da Reuters numa manhã de sexta-feira, em vésperas de fim-de-semana chuvoso, ou até, e porque não, ter uma qualquer reacção vagal como aquelas que o Sr. Silva experimenta quando o assunto não lhe convém.
Contudo, a bem da minha higiene mental, prefiro a inquietude estimulante que me provoca o exercício físico dos dois neurónios e meio com que o criador me equipou o córtex frontal, e ler as entrelinhas. De facto, o que a menina da Reuters disse foi aquilo que todos sabemos e que é em grande medida uma das principais razões da nossa desgraça colectiva, é que os mercados, tal como os fungos, necessitam de um ambiente propício para se desenvolverem, reagindo mal a um fenómeno físico-químico cada vez mais posto em causa que dá pelo nome de “democracia”. O problema dos mercados não é a instabilidade, porque é nessa instabilidade, sobretudo social, que encontram a matéria orgânica essencial ao seu obsceno crescimento, através de processos de decomposição. Tal como o fungos.
O problema dos mercados é que convivem muito mal com o facto de cada um de nós ter um pequeno quinhão de responsabilidade, e de possibilidade, de mudar o rumo da história. E isso é uma coisa que os irrita profundamente, pois a “racionalidade” (dos mercados) não se mede em sabedoria nem em conhecimento, mede-se em lucro. Para quê a democracia política, se a “democracia económica” lhes basta?
Bom fim de semana e não fiquem muito a pensar nisso.
Olha, bem jeitosa, a menina Cunha Lima. Da Reuters.