Enquanto
beberrico um pequeno cálice de ponche, tento em vão concentrar-me. A escrita
não se compadece com o turbilhão de ideias e mensagens que gravitam em torno do cérebro, que chocalham dentro do
cérebro. Muitas vezes o problema nem é de “inspiração”, é de síntese. A
fronteira entre a verborreia e a legibilidade é tão ténue, que até a inocente
cantilena que Lurdes Rata ensaia à capela enquanto engoma as camisas da semana,
um dos clássicos da vasta obra de Tony Carreira, se torna num obstáculo quase
intransponível. – Tá calada mulher! – grito eu da sala. Lurdes acusa o toque e
manda-me à merda, de caminho. Faz-se-me luz – é isso mesmo, é por aí que devo
começar: “este Orçamento de Estado é uma merda!”. A adjectivação não é
iconoclasta, é mesmo biológica…
Goebells, ou até o trapalhão Mohammed al-Sahhaf, não fariam melhor. A propaganda aos
supostos méritos do OGE de 2015 está na rua e faz o seu imperturbável caminho,
acolitada por zarolhos, coxos, comentadores, peritos e videntes. As rotativas
não dão tréguas e as parangonas sublinham o jackpot: “Cada filho vale 925€ no
IRS” (Correio da Manhã); “Alívio fiscal nos salários já em 2015” (Jornal de
Notícias); “Pensões médias e altas pagam menos” (Jornal de Negócios); etc etc,
etc; apenas a Nova Gente, quase sempre atenta ao mais ínfimo pormenor, prefere
um caminho bem mais tortuoso mas não menos aliciante, revelando aos seus
leitores segredos de alcova da viçosa monarquia: “D. Duarte tem hipoteca no
BES” … apenas ficou por esclarecer se no bom, ou no mau… detalhes…
Não
fossem os perigosos marxistas-leninistas, comunistas empedernidos e maoistas
ressabiados, Bagão Felix, Manuela Ferreira Leite e Pacheco Pereira, a
desalinhar, e a procissão seria um passeio pelos media. É inaceitável a forma
despudorada como a ministra Luis e os restantes cobradores do fraque, que parece ainda gozarem de boa imprensa (pasme-se), passam
uma esponja meio húmida sobre o brutal aumento de impostos, que não vê alívio,
sobre a incompreensível fixação de um limite para os apoios sociais, sobre o
fim da clausula de salvaguarda do IMI, sobre os inqualificáveis cortes na
despesa (com o epíteto de “poupança”), que mais não são do que um
desinvestimento colossal nas primordiais funções do Estado (educação, saúde,
etc), sobre a tramóia da “fiscalidade verde”, uma espécie de colecta fofinha,
ecológica, moderna, que mais não visa do que extorquir o pouco que sobra à
carneirada, sob a capa de supostas preocupações de sustentabilidade ambiental. E
no topo do monte de esterco, voilà, a poia ainda fumegante: [o orçamento para
2015] “é fiscalmente mais moderado” (dixit Mr. Harry Porttas, ex-defensor dos
reformados, dos espoliados, dos contribuintes, dos encalhados e dos portadores assintomáticos
de cálculos renais).
Mais
uma vez o traço ideológico do orçamento não deixa dúvidas à alvura do algodão e
a nova baixa da taxa de IRC sintetiza essa preocupação para com os que mais
sofrem com a crise – os grandes contribuintes de IRC, na sua maioria empresas
em regime de monopólio ou semi-monopólio, e que também na maioria dos casos não se
dedicam à produção de bens transaccionáveis, muitas delas exercendo inclusivamente
actividades especulativas. Sejamos sérios, em que é que se traduz a baixa de
IRC? Apenas numa coisa muito simples e óbvia, num alívio fiscal para os que mais
deveriam contribuir e numa sobrecarga para os do costume. Mas porventura alguém com dois dedos de testa associa a
baixa da taxa de IRC na actual conjuntura, à competitividade, ou ao
investimento, ou à criação de postos de trabalho? É que se assim fosse, a baixa
de IRC de 2013 para 2014 já estaria a produzir efeitos.
Verdade
seja dita, quaisquer que fossem as medidas para 2015, haveria sempre por onde
pegar. Porque se por hipótese, meramente académica e inverosímil, este governo
de saloios diminuísse a carga fiscal, só provaria que tudo o que fez desde o
início foi errado, conforme já o reconheceu, o ex-futuro boy do FMI, Vitor Gaspar.
Passos
& Portas, as duas faces da moeda deste governo sem crédito não são, de
facto, fundamentalistas orçamentais, são apenas cretinos orçamentais. Em bom.
Como um simples "vai à merda" pode inspirar um texto tão assertivo.
ResponderEliminarExcelente!
Abraço
Pois é caro Rodrigo, como dizem os gurus da gestão, temos de saber transformar as ameaças em oportunidades.
ResponderEliminarAbraço!
Textos destes têm que ser divulgados. Vou partilhar, com a sua licença.
ResponderEliminarCaro A. Constâncio,
ResponderEliminareu é que agradeço a partilha. Os textos são da minha autoria mas não são meus. São de todos os que os queiram partilhar.
Excelente! Como geralmente...
ResponderEliminarGosto de o ver por estas bandas, caro Grizalheiro! Afinal de contas, não há festa sem bombos.
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