30/10/13

Numerus Clausus




O liberalismo-freack deste governo é um case study – consegue meter no mesmo pacote a mais profunda das aversões pelo papel fundamental do Estado (protecção social, saúde, educação, regulação, etc), tudo em nome duma pseudo-consolidação das contas públicas, com a mais intolerável e mesquinha intromissão na vida privada das pessoas (e animais!), uma característica dos estados totalitários, tanto de direita como de esquerda.
Foi ontem conhecida a intenção da dona Cristas de limitar o número animais de estimação. Em tese até pode fazer algum sentido. Porém, do que é conhecido da proposta que se encontra em cima da mesa, a mesma parece ser desprovida de qualquer fundamentação cientifica (ou outra), pretendendo apenas limitar o número de animais a um número, redondo, seguindo a mesma ausência de critérios patentes nos cortes cegos dos salários da função publica e das pensões, ou na redução da despesa em quatro mil milhões de euros. A dislexia é a mesma.
Mas o governo vai mais longe, entroniza os veterinários e as câmara municipais como guardiões do templo da legalidade, como polícias da política dos números absurdos, obrigando os primeiros a bufarem e os segundos a resgatarem as vítimas e a entregarem-nas à guarda da Segurança Social da Bicharada ou das Comissões de Protecção de Animais em Risco.
Contas feitas, é intenção dos marmanjos que apenas coabitem, por apartamento, um total de quatro animais, com a limitação de dois cães e quatro gatos.
É verdade que não conheço pormenores da nova lei, mas creio que há questões que podem e devem desde já ser suscitadas, como por exemplo:
- por que razão cada cão vale dois gatos?
- por que razão dois cães e dois gatos coabitam melhor do que três cães?
- por que razão um T0 tem a mesma capacidade para a coabitação de animais, do que um T3 ou um T4?
- será que passa a ser obrigatório que os donos de casais de animais obriguem os mesmos a seguirem rigorosos planos de planeamento familiar, ao uso compulsivo do preservativo  ou a prolongados períodos de abstinência sexual, para não ultrapassarem os limites previstos, através de procriação?
- e em relação aos macacos, quantos são permitidos por apartamento?
- e o Conselho de Ministros? Como é que vai funcionar? Vão reunir aos quatro de cada vez? É que aquilo é um saco de gatos…




27/10/13

Apneia Democrática




Aníbal António Cavaco tem sono fácil e pesado, cochila com facilidade, mesmos nas situações mais inusitadas, apresentando ainda frequentes e preocupantes episódios de apneia. Por vezes o estado de sonolência é de tal modo profundo que, apesar do circo arder em seu redor, mais parece morto, mortinho da Silva.
Porém, Aníbal António tem uma cútis extremamente sensível e reage a pequenos estímulos que de quando em vez lhe activam os condicionados sensores da epiderme, interferindo de imediato com os períodos em que os sentidos se encontram insensíveis. Basta que entre duas ressonadelas profundas alguém sopre o nome de “palhaço”, lhe vá à parca pensão ou imagine sequer que o dito já posou para a posteridade ao lado de Oliveira e Costa & Associados, e a reacção é imediata. Bastas das vezes deselegante e petulante.
O último episódio conhecido de súbita reacção alérgica foi o do zumbido do velho zangão Mário, que lhe passou de raspão junto ao umbigo. Acto contínuo, Anibal António, que não sentira o intenso cheiro a esturro quando Machete, o turra responsável pela intendência, ateou um bidão de querosene em Angola para imolar o seu próprio país, despertou de imediato em sobressalto e até chegou a “sentir uma violenta picadela” desferida sem dó nem piedade pelo antecessor jubilado, ignorando o facto dos zagões não terem ferrão. Afinal, aquela ausência injustificada a uma aula da segunda classe para ir aos grilos, numa soalheira tarde da primavera de 1946, revelara-se agora fatal para o domínio básico da entomologia.
Mas desta vez, ao contrário da outra em que despachou para o meirinho um difamador de Palhaços, a reacção de Anibal António foi sofisticada. Puxou dos galões carcomidos pele traça e dissertou professoral sobre a solidez e clareza dos esclarecimentos prestados, sobre o reconhecimento do papel do decano zangão, sobre o respeito institucional, sobre a preservação da dignidade devida à instituição que representa de forma intermitente e sobre como fazer, em pouco tempo, mais-valias na compra e venda de acções manhosas. Perdão, corrijo: este último item da palestra foi omitido porque os 140 caracteres do twuitter também não dão para tudo, não é?
Misericórdia! Misericórdia! Misericórdia! Haja alguém que explique a esse senhor que repousa enfastiado em Belém, que ele é que tem falta de dignidade e de respeito! É bom que ele não se esqueça que só continuamos a ser governados por um bando de incompetentes porque ele próprio caucionou essa solução, porque ele mesmo quer que seja essa burricada a tomar conta do governo, um escritório de representação da troika que se instalou em São Bento, a expensas da borregada, para despachar as decisões dos esmoladores. Haja alguém que explique a esse fulano que os juros de usura que dispararam em flecha nos últimos tempos, pode agradece-los à crise conjugal que o Paulinho, em momento de desiquilibrio emocional, decidiu despoletar de forma irrevogável! Haja alguém que explique a esse sujeito que a falta de respeito que as “instâncias internacionais” demonstram pelo nosso Estado de Direito e pelos nossos Órgãos de Soberania, mais não são do que a consequência óbvia do seu próprio desrespeito e da sua quebra de lealdade em relação ao que jurou defender – a Constituição. Haja alguém que explique a esse sicrano que há muito que o país retirou a confiança política aos pseudo-guionistas da Reforma do Estado. Haja alguém que explique a esse dorminhoco que o país está à beira do caus social e que ele se prepara para promulgar um embuste, argumentando que seria pior para o país viver sem orçamento do que viver com um que viola as normas constitucionais. Haja alguém que transmita a esse irresponsável que seria muito melhor para o país viver sem presidente, do que com um que não tem a mínima noção do que significa “Sentido de Estado”. Haja alguém que me chegue um copo de água com açúcar e que me ponha o coprimido debaixo da língua, que estou à beira dum ataque.




25/10/13

Vexatório



Apesar da minha ansiosa e quase pueril insistência, Edward Snowden, embora renitente, lá acabou por revelar que a NSA, o big brother da inteligência americana, nunca me colocou sob escuta.
Que por cá poucos há que ligam alguma coisa ao que eu digo e penso, não é para mim novidade, antes uma evidência. Agora que Obama não se importe com o potencial perigo que eu represento, já cheira a humilhação. Confesso que estou de rastos…



23/10/13

Alvitre



(reconstituição possível dum pequeno diálogo ocorrido num dos debates da campanha eleitoral para as últimas autárquicas)
Moderador (mas pouco) – Dr. Álvaro, o senhor pôs a Agenda 21 na gaveta. O que é que o senhor fez à Agenda 21?
Candidato do PS – Onde é que está a Agenda 21? Digam-me, onde é que está isso?
Moderador (mas pouco) – Vitor Pereira, onde está a Agenda 21?
Candidato da CDU – No site da câmara!
  
Há alguns dias atrás, a propósito de uns milhões que o governo terá gasto para informatizar um serviço do Estado, constatando-se que o referido sistema nunca terá funcionado, recordei este episódio.
Por cá também se gastaram alguns milhares na elaboração da Agenda 21 Local.
Segui a sugestão de Vitor Pereira e dei-me ao “trabalho” de ler a referida Agenda, encomendada pelo executivo de Barros Duarte/Alberto Cascalho. Rapidamente conclui que a maioria dos ex-candidatos não a leu.
Numa altura em que ainda se procuram consensos, articulação de projectos políticos e formas de enquadramento para tantas medidas avulsas que foram anunciadas durante a campanha, parece-me a mim, vulgar cidadão do Casal da Formiga com legítimas aspirações a ser feliz, que a Agenda 21 Local poderá ser o elemento que falta (mas que existe), o guião para a estratégia concertada, tendo em conta que a aposta nocrescimento sustentável, sendo transversal e (penso) defendida por todos, corresponde a uma forma coerente de implementar estratégias conducentes a melhorar a qualidade de vida da população do nosso concelho, em todos os aspectos relevantes do seu quotidiano.
Sugiro por isso a todos os que o queiram, incluindo os actuais membros do executivo camarário e responsáveis políticos da nossa comunidade, a lerem a Agenda 21 Local (disponível no site da CMMG) sem qualquer reserva mental e sem qualquer preconceito. Pode ser que tenham uma agradável surpresa e que o dinheiro gasto possa por fim ter utilidade. Desculpem-me a ousadia.
 

Vanidade



Coçando suavemente o queixo proeminente, o comendador olhou à sua volta com olhar pisco de quem já devia duas horas à cama e questionou:
- Então só eu que me candidato contra a situação? Bem, pelo menos eu cumpro a minha obrigação. Se os eleitores me elegeram é porque querem que eu seja o presidente da assembleia!
Não obteve resposta. Todos sabiam que o guião da sua pequena vingança pessoal incluía episódicos apontamentos em bicos dos pés.

21/10/13

Micro-deuses






A propósito dum “esclarecimento à população de Picassinos” publicado esta semana num jornal que lamentavelmente não respeita nem a memória dos seus fundadores, nem a cidade que lhe dá nome.
 

Quando um responsável editorial se escuda no argumentário da publicidade paga para publicar textos abjectos com os quais diz não se identificar, está aberta não a Caixa de Pandora mas uma fossa asséptica. Na prática o que se diz é que o dinheiro pode comprar espaço supostamente informativo, formativo, de divulgação ou de opinião (responsável), tal qual compra coitos e malabarismos a mulheres de virtudes duvidosas.
Os falsos moralistas são assim, beatos compulsivos hiper-sensíveis ao que os rodeia, mas incapazes de perceber o alcance das suas miseráveis cumplicidades.


13/10/13

Trocadilhos




Como qualquer cidadão com o mínimo de decência, no passado dia 29 cumpri a minha obrigação e votei.
Das eleições saiu uma composição do executivo municipal que implica responsabilidade, clarividência, diálogo, compromissos e muito bom senso, para que o concelho possa ser governável.
Presumo que nesta altura as forças envolvidas se encontrem em processo de diálogo e de compromissos. Percebo que o segredo seja a alma do negócio.
Desejo contudo que o negócio não tenha segredos mas que tenha alma. E que os compromissos nos sejam transmitidos de viva voz, publicamente, e não por fontes anónimas. Nada mais descredibilizante para a política do que a informação ser enlameada nos mentideiros. Já que nos contactaram pessoalmente para pedir o voto, que nos olhem nos olhos e nos transmitam o que decidiram.
Hoje acordei assim, curioso.
 

11/10/13

Rato escondido com o rabo de fora




Com os olhos fixos no telefone, o senhor director entretinha-se nervosamente a roer as unhas da mão direita, que já iam no sabugo, tamborilando com os dedos da esquerda no tampo da secretária de cerejeira. Aguardava ansioso por uma chamada de Estocolmo.
Desde que se tornara bem sucedido, com evidente notoriedade no mundo académico, empresarial, dos midia, e com estatuto social que lhe permitia livre transito em tertúlias manhosas, reuniões de compras por catálogo e festarolas de pavões e piriguetes, que mantinha a razoável certeza de que um dia a academia de Estocolmo lhe reconheceria os méritos e lhe atribuiria o Nobel do Mais Lindo e Mais Espertinho.
À sua frente, Joaquim Alberto “O Candidato”, um produto cultural da sua infinita capacidade criativa e artística, sentado de forma desleixada num banco de pau, fazia trejeitos com a bigodaça e com os olhos, consultando de forma compulsiva, a cada cinco segundos, o relógio de grandes dimensões que usava no pulso esquerdo, quebrou o silêncio com a voz rouca que era uma das suas imagens de marca:
- Então senhor director? Essa coisa toca ou não toca, hã? Quer que lhe desfie o meu programa eleitoral para o entreter? Hã? – e colocando a voz começou - Se eu for eleito prometo uma estação de serviço no Tremelgo, a “Vareta do Vidreiro”, aberta 24 hora por dia, com mudanças de óleo e alinhamento da direcção a preços em conta…
Irritado o senhor director interrompeu-o, batendo com o punho cerrado na secretária:
- Cala-te Joaquim Alberto “O Candidato”! Tu aqui só falas quando eu mandar, percebeste? Eu é que te escrevo os textos e te dou vida e dimensão artística e cultural, por isso bico calado!
- Concerteza senhor director – respondeu Joaquim Alberto “O Candidato”, com um ligeiro assentimento de cabeça, em jeito de vénia.
- Quem é o maior Joaquim Alberto “O Candidato”? – questionou o senhor director para testá-lo.
- É o senhor, senhor director! Vossecelência é o maior!
- Muito bem Joaquim Alberto “O Candidato”, muito bem. Tu és como os outros, tem de ser rédea curta! Viste como eu os pus na linha nos debates que organizei? Viste?
- Vi sim senhor, senhor director! Vossecelência é o mais espertinho!
- Aqui quem dita as regras sou eu e “quem quer, quer, quem não quer, não quer”, Voltaire ou coisa assim do género. E viste como eu os interrompi para que tu, Joaquim Alberto “O Candidato”, pudesses parodiar com propostas sérias? E viste a reacção deles quando eu lhes perguntei se queriam comentar? E viste como eu me atirei aos candidatos com tiradas inteligentes e vistosas? Viste como eu os fiz tremer com a patroa e com a carta anónima, viste? Viste como eu sou bom e cruel? E viste como eu fui inteligente e subtil quando dei mais opiniões do que coloquei questões?
- Vi sim senhor, senhor director! Vossecelência é o mais lindo!
- Na verdade nem sei bem se esta terra me merece!… Mas um dia, Joaquim Alberto “O Candidato”, um dia ainda me hás-de ver a saudar o povo do alto da varanda, ou melhor, do cimo cubo de vidro, que é ainda mais alto. Quem é o maior Joaquim Alberto “O Candidato”?
- É o senhor, senhor director! Vossecelência é o mais cheiroso!
Subitamente o telefone tocou. O director empertigou-se para atender e fez sinal de silêncio a Joaquim Alberto “O Candidato”.
- God middag. Som jag har nöjet att tala?*
- Cruzes canhoto pá, só te reconheci pela voz. Tás com catarro ou quê? Queres que te arranje um chá?
- Oh, és tu Nando. Pensava que eram uns amigos suecos.
- Ainda se fossem umas amigas suecas eu até fazia de “tou cá eu”… Ah! Ah! Ah! Ouve lá, queres um chá ou não?
- Nunca bebi.
- Nem em pequenino?
- Não. Porquê?
 
 
* não se percebe porque é sueco (aconselho o Google Tradutor)
 

04/10/13

Idiossincrasias do eleitor médio




Convencido que passaria a perna à Lurdes Rata, lancei-lhe a rasteira:
- Então Lurdes, onde foste jantar na sexta-feira passada?
Lurdes fitou-me com aquele olho pisco de desconfiança, o mesmo com que recebe as Testemunhas de Jeová ao sábado à tarde. A resposta pronta surpreendeu-me:
- Fiz a rota do porco no espeto. Completa!
- Hum?
- Ordem, Picassinos, FAE, Figueiras... porquê? Quer saber em quem é que votei, não é?
Lurdes arrotou sem pudor. Quase uma semana depois o bafo exalado continuava marcado por acentuadas notas de porco no espeto, vinho barato, imperial mole, canela e frutos silvestres. (As notas de canela e frutos silvestre dão sempre um toque mais sofisticado a qualquer avaliação de aroma.)
- Sabes Lurdes, tenho sempre alguma curiosidade em saber como é o que o eleitor médio se posiciona, como reage à campanha, como avalia os resultados do anterior executivo, o quer para o futuro, no fundo, o que lhe passa pela cabeça quando tem de pôr a cruz no quadradinho. Curiosidade minha…
- Foscasse, você é muito complicado, não é?
- Porquê? Não pensas antes de decidires em quem votas?
- Não, como porco no espeto!
 

03/10/13

Diário de Pós-Campanha - Opinião (a minha)

 
 
 
 
Dos píncaros da sua inominável sabedoria, o povo ditou o rifão: os políticos que se entendam! Ou não… - os que tinham três levam dois; os que tudo queriam levam um; e tu, coração independente, que tanto te afligia dar um murro na mesa porque as crianças e os mais necessitados não vivem com duodécimos, ficas. Mas por pouco. Deixas de ser o fiel da balança e passas a caminhar na corda bamba como os outros, sem rede e sem cueiro.
O jogo está lançado e como jamais alguém ousou o 2x2x1x1x1, há que reinventar a natureza táctica da equação, sob pena de ninguém saber qual o seu lugar, embora de antemão se saiba que o campo é estreito e os jogadores duros de rins. Talvez umas cacetadas com bordão de peregrino fizessem quebrar o enguiço e tornar vergadiços os egos inchados, e periféricos os umbigos egocêntricos.
Cá por mim, que não risco nada, PS e CDU deveriam assumir em boas mãos o nosso destino nos próximos quatro anos, e os restantes, independentes, uma oposição de mangas arregaçadas e atitude construtiva. O raciocínio é simples. As duas forças com maior representatividade no concelho não estão assim tão distantes quanto ao essencial, quanto às prioridades, pelo que se o problema é de estilo e de perfil, que se quilhe o estilo e que se faça do diálogo a trave mestra do entendimento, já que em relação ao perfil não haverá muito a fazer, apenas se poderá escolher o ângulo mais favorável.
Em contraponto, a uma maior tarimba política que os partidos indubitavelmente têm, pela sua génese e pela sua história (para o bem e para o mal!), os independentes, em maior ou menor grau, poderiam demonstrar que uma visão mais descomprometida, menos sectarista e mais pragmática dos problemas, resultaria numa oposição mais racional e pró-activa. Seria também a oportunidade de provar que grupos de cidadãos com vontade, capacidade e coordenação, conseguem assumir um papel de relevo na construção de um futuro digno. Mas mais. É que de todos os adversários em contenda, foram os que demonstraram algumas diferenças de estratégia dignas de registo, pelo que não faria muito sentido a coexistência de perspectivas com pontos de ruptura evidentes.
Eu sei que a minha ingenuidade e bonomia são as de um cândido. Mas, afinal de contas durante a campanha não apelaram todos ao bom senso e aos superiores interesses do concelho? É que eu quero continuar a acreditar na boa vontade dos homens.