11/10/13

Rato escondido com o rabo de fora




Com os olhos fixos no telefone, o senhor director entretinha-se nervosamente a roer as unhas da mão direita, que já iam no sabugo, tamborilando com os dedos da esquerda no tampo da secretária de cerejeira. Aguardava ansioso por uma chamada de Estocolmo.
Desde que se tornara bem sucedido, com evidente notoriedade no mundo académico, empresarial, dos midia, e com estatuto social que lhe permitia livre transito em tertúlias manhosas, reuniões de compras por catálogo e festarolas de pavões e piriguetes, que mantinha a razoável certeza de que um dia a academia de Estocolmo lhe reconheceria os méritos e lhe atribuiria o Nobel do Mais Lindo e Mais Espertinho.
À sua frente, Joaquim Alberto “O Candidato”, um produto cultural da sua infinita capacidade criativa e artística, sentado de forma desleixada num banco de pau, fazia trejeitos com a bigodaça e com os olhos, consultando de forma compulsiva, a cada cinco segundos, o relógio de grandes dimensões que usava no pulso esquerdo, quebrou o silêncio com a voz rouca que era uma das suas imagens de marca:
- Então senhor director? Essa coisa toca ou não toca, hã? Quer que lhe desfie o meu programa eleitoral para o entreter? Hã? – e colocando a voz começou - Se eu for eleito prometo uma estação de serviço no Tremelgo, a “Vareta do Vidreiro”, aberta 24 hora por dia, com mudanças de óleo e alinhamento da direcção a preços em conta…
Irritado o senhor director interrompeu-o, batendo com o punho cerrado na secretária:
- Cala-te Joaquim Alberto “O Candidato”! Tu aqui só falas quando eu mandar, percebeste? Eu é que te escrevo os textos e te dou vida e dimensão artística e cultural, por isso bico calado!
- Concerteza senhor director – respondeu Joaquim Alberto “O Candidato”, com um ligeiro assentimento de cabeça, em jeito de vénia.
- Quem é o maior Joaquim Alberto “O Candidato”? – questionou o senhor director para testá-lo.
- É o senhor, senhor director! Vossecelência é o maior!
- Muito bem Joaquim Alberto “O Candidato”, muito bem. Tu és como os outros, tem de ser rédea curta! Viste como eu os pus na linha nos debates que organizei? Viste?
- Vi sim senhor, senhor director! Vossecelência é o mais espertinho!
- Aqui quem dita as regras sou eu e “quem quer, quer, quem não quer, não quer”, Voltaire ou coisa assim do género. E viste como eu os interrompi para que tu, Joaquim Alberto “O Candidato”, pudesses parodiar com propostas sérias? E viste a reacção deles quando eu lhes perguntei se queriam comentar? E viste como eu me atirei aos candidatos com tiradas inteligentes e vistosas? Viste como eu os fiz tremer com a patroa e com a carta anónima, viste? Viste como eu sou bom e cruel? E viste como eu fui inteligente e subtil quando dei mais opiniões do que coloquei questões?
- Vi sim senhor, senhor director! Vossecelência é o mais lindo!
- Na verdade nem sei bem se esta terra me merece!… Mas um dia, Joaquim Alberto “O Candidato”, um dia ainda me hás-de ver a saudar o povo do alto da varanda, ou melhor, do cimo cubo de vidro, que é ainda mais alto. Quem é o maior Joaquim Alberto “O Candidato”?
- É o senhor, senhor director! Vossecelência é o mais cheiroso!
Subitamente o telefone tocou. O director empertigou-se para atender e fez sinal de silêncio a Joaquim Alberto “O Candidato”.
- God middag. Som jag har nöjet att tala?*
- Cruzes canhoto pá, só te reconheci pela voz. Tás com catarro ou quê? Queres que te arranje um chá?
- Oh, és tu Nando. Pensava que eram uns amigos suecos.
- Ainda se fossem umas amigas suecas eu até fazia de “tou cá eu”… Ah! Ah! Ah! Ouve lá, queres um chá ou não?
- Nunca bebi.
- Nem em pequenino?
- Não. Porquê?
 
 
* não se percebe porque é sueco (aconselho o Google Tradutor)
 

3 comentários:

  1. Mas o que é que é esta palhaçada?

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  2. Eu que tirei a 4ª classe de noite percebi e entendi.
    Mais uma vez parabéns, mas não sei porquê não leio aqui muitos dos seus costumados "amigos".
    Faça um favor à Marinha Grande e continue.

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  3. A. Constânciooutubro 13, 2013

    Pela parte que me toca, eu não posso ser particularmente "amigo", porque não sei quem é o Relaxoterapeuta.
    Confesso-me, contudo, um entusiasta admirador da forma como escreve e da assertividade como o faz, quer quando recorre à mais refinada sátira, quer quando usa a clarividência da mensagem.
    Também não precisei de ir tirar um curso para o perceber.
    Parabéns e continue.

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