20/04/11

A Trilogia dos éFes (II) - Futebol



O adjunto, um tipo pequenito com nome de gramínea, tinha dado o mote – “o mister vai dar show, mas sem direito a perguntas, ok?”.
E assim foi. O mister pré-anunciado como salvador da pátria entrou a passos firmes na sala de imprensa, seguindo de perto pelo séquito e pelo tal adjunto pequenito, um tipo saltitante e de verbo fácil – em todo o lado há um fulano destes que transmitem em energia o que lhes falta em miolo.
Sempre atento aos detalhes, o pequenote adiantou-se ao líder da equipa técnica para ajeitar o microfone de serviço e de seguida olhou-o com ternura fazendo um pequeno aceno com a cabeça, quase imperceptível - “Está tudo a postos mister, show time!”.
O mister, colocando um ar confiante e grave, arregalou o olho azul pestanudo em direcção aos flashes e fez uma pausa pré-estudada para se deixar fotografar. Era evidente que na mise-en-scène havia trabalho de casa. Era notório que estudara o adversário ao pormenor tentando recrear-lhe os tiques e os toques, martelados até à exaustão por diligentes assessores de imagem.
Vinte e três segundos volvidos, o exacto tempo estabelecido para o momento Pepsodente, o mister tossicou duas vezes, passou os dedos pelos cabelos sedosos e iniciou a palestra, acentuado cada palavra com um exuberante movimento de braços e de mãos:
- “O projecto de Portugal, mas já estamos a falar os dois, eu e o FMI, vamos jogar, como eles sempre jogaram: PEC 5, 6, 7. Muitas vezes em casa, como eles também jogaram na Grécia e na Irlanda, vamos aplicar o PEC 8, 9, 10.
O plantel vai estar com 19 jogadores e mais um. Vários jogadores de futuro, que é para verem a nossa linha, mais ou menos, vai ser esta. Vou dar alguns nomes, esta é a nossa linha. Mendes Bota, Loulé, selecção Algarvia. Alberto J. Jardim, Madeira, é um jogador que tem partido a loiça toda, é um ponta de lança. Alberto J. Jardim. Fernando Nobre. Fernando Nobre, porquê? Fernando Nobre para mim é um jogador fantástico! Fantástico! É um jogador que ora joga à esquerda, ora à direita, ora ao centro, é um jogador fantástico! É o campeão da cidadania e costuma sair com brinde – aí uns seiscentos mil votitos.”
Subitamente o mister foi distraído por um jornalista que regurgitava o pesado almoço de cozido à portuguesa, reagindo à inconveniente eructação com visível irritação:
- “Sócio, por favor… peço-lhes por favor, senão paro, estou aqui concentradíssimo, por favor!”
Retomando o controlo da situação, o mister continuou a discorrer sobre o ardiloso projecto:
- “Quem vai ser o vigésimo jogador? O que é que Portugal tem de fazer com a situação económica que está? Tentar buscar dinheiro! Atão, o vigésimo jogador vai ser o melhor jogador líbio da actualidade. Porquê? Temos de ir buscar sponsers! Porquê? Porque se vem o melhor jogador líbio pr’aqui, vai vir charters todas as semanas de quatrocentos, quinhentos militares das forças aliadas para apanhar o fulano e bombardeá-lo. Portugal vai ter comissão nos charters, nas bombas, nas bifanas, etc, etc, etc. Vamos só abrir um departamento para este jogador líbio e aproveitamos para aumentar o IVA, privatizar a Caixa, plafonar os descontos para a Segurança Social, etc, etc, etc. Portugueses, isto é o projecto para irmos para a frente, não há outro. Vamos ganhar, vamos estar lá em cima outra vez! Portugal não pode nunca mais voltar à situação que está hoje!”


6 comentários:

  1. Caro Relaxoterapeuta,

    obrigado por nos fazer rir nestes tempos tão complicados. Continue com esse humor e com essa perspicácia. A sátira é talvez uma das melhores forma de compreender a realidade.

    Cláudio Dias

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  2. Já eram horas deste senhor se deixar de graçolas e contribuir com qualquer coisa de útil. E que tal fazer qualquer coisa de útil por esta terra? Como é que comenta esta desgraça de políticos que temos à frente da câmara? Porque nem uma palavra sobre as obras não licenciadas para os escritórios da TUMG? Mas não, sobre coisa importantes nem uma palavra. É tudo farinha do mesmo saco.
    Passe bem com as suas piadas de mau gosto.

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  3. Grelo de Naboabril 21, 2011

    Pois é, já cá faltava um "esgrunho" anónimo para a cena ficar completa.

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  4. Caro Grelo de Nabo, eu acho que a doença do anónimo, já em estado avançado pelo que lhe tolhe do raciocínio e de descernimento, é mesmo míldio. Se for combate-se com sulfato de cobre, ou, perdoe-me se estou errado, com enxofre. Este último é mais apropriado porque erradica um espectro maior de maleitas, até do domínio dos mafarricos.
    Mas, seguramente, ele está enganado no Blog, era outro que queria comentar.
    Caro Relaxoterapeuta, o humor é mesmo uma grande arma, e eu admiro imenso a forma como a utiliza. Por favor não desista, obrigado.

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  5. Como é que se pode comentar um post assim?
    Escrever desta forma, para além de ser um dom, não deixa muita margem para quem quer pegar no tema e acrescentar palavras suas.
    De qualquer forma, a construção cénica e narrativa é brilhante e a verdade é que, o "futre" da Política, começa também a assumir o papel de comediante e aqueles que o escutavam com alguma atenção e até com esperança, começam a esboçar complacentes sorrisos e breve soltarão gargalhadas, que não deixarão de ser provocadas pelo xorrilho de vulgaridades que a personagem, a cada"PASSO", teima em debitar.
    Quando se dão consecutivas conferências de imprensa e, sistemáticamente se esconde a táctica e os nomes dos jogadores, preferindo atirar para o ar bitaites sem nexo e concretizar contratações pouco "NOBRES" e apressadas, que já desastibilizaram o balneário, é certo e seguro que o primeiro lugar do campeonato fica cada vez mais distante. Felizmento, digo eu, que sou de dizer coisas..

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  6. Os partidos políticos aparecem nestas eleições refinados de ignorância mascarada de cosmética comunicacional. Como foi possível chegarmos até aqui, já não se trata de defender primados: do colectivismo, do liberalismo, do comunismo do capitalismo, das economias planificadas das de mercado livre com regulação ou sem regulação do estado. O nível da coisa é tal forma que se perdeu o limite da dimensão estado, da sua vocação e seu alcance, estes políticos de agora e a reinvenção deles mesmo, conduz o país ao pior dos rumos que é a ausência do rumo em si próprio. Por incrível que pareça ponham a Troika que quase se parece uma “perestroika” esquizofrénica a ouvir o Dr. Marinho Pinto, e talvez fiquemos todos mais perto da verdadeira alternativa – O VOTO EM BRANCO

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