Permitam-me que vos
conte uma pequena história, sem grande importância.
Por volta de 77/78,
não sei precisar ao certo, num vulgar dia de Outono, por sinal de intenso
nevoeiro, fui abordado pelos vizinhos para liderar a Comissão de Moradores do
Casal da Formiga. De imediato senti as duas habituais experiências
físico-químicas que o ser humano experimenta nestas situações – uma tumescência
no ego e uma lasciva vertigem (mais tarde um ajudante de farmácia explicou-me
que se trata daquilo a que os cientistas do comportamento chamam de “vertigem
do poder”, neste caso, de um micro-poder).
Ufano e a arfar
confiança, assumi a modéstia dos predestinados e cumpri o protocolo, pedi uns
dias “para pensar e para consultar a família”, família que à data se resumia a
uma fulana das Trutas que trabalhava por turnos na Ricardo Galo e com quem eu mantinha
uma picante e tórrida aventura extra-conjugal nas barbas do marido, e o meu
fiel Bolinhas, um cão notável que ía comigo à caça e às gajas, e de quem tenho
muitas saudades. Todo o resto da “família” estava de trombas comigo e já só me
dirigiam a palavra para alguns mimos - de “camelo” para cima. Enfim, já um gajo
não pode ser complicado…
É evidente que o
convite me entusiasmou – “é porque viram em mim qualidades, porra!... Mas será
que só isso chega? Porra!” Esta inquietação fez-me de facto pensar alguns dias
e levou-me a recordar uma frase que o meu pai me segredou no primeiro dia que
entrei nos portões da fábrica e que jamais esquecerei – “tem orgulho naquilo
que fazes com competência, mas nunca te queiras fazer passar por aquilo que não
és. Se és um bom cantoneiro, óptimo, é essa a tarefa que todos esperam que
desempenhes com garbo! Se és um bom médico, óptimo, é esse o papel que todos
esperam que desempenhes com generosidade. Se és um aldrabão, podes ser
cantoneiro, médico ou regedor, pois a incompetência está ao alcance de qualquer
atrevido!”
A equação tornou-se por isso mais
simples, embora o processo de auto-avaliação não o fosse, apenas havia que
ponderar se reunia o perfil, os predicados e as capacidades necessárias a um
bom desempenho do cargo: capacidade de liderança, de decisão, de auscultação, de
auto-crítica, de motivação, de visão estratégica, de planeamento táctico, de coordenação
operacional, etc. Concluí que não reunia as condições mínimas, o que transmiti
aos vizinhos, sugerindo que me teriam sobrestimado e que lhes estaria a fazer
um grande favor em não aceitar o convite. Reafirmei contudo a minha
disponibilidade para continuar a trabalhar na Comissão como até aí. Volvidos alguns
dias o plenário de moradores elegeu um papagaio qualquer, um fulano pedante e
bem-falante, casado com uma Florinda dos Outeirinhos, uma tipa de nariz empinado
que o empurrou para o cargo e que lhe dizia a toda a hora o que deveria fazer.
Não sei porquê mas às vezes lembro-me
destas histórias, sem grande importância.
Uma vida cheia de histórias mas contadas com humor.
ResponderEliminarDepois de tantas peripécias acabou revelando-nos que o pai era um sábio.
"tem orgulho naquilo que fazes e faz sempre o melhor que puderes"
Só por isto valeu ler os contos do vigário...
Mas que palhançada é esta? Explique-se homem, deixe-se de meias palavras.
ResponderEliminarCaro Relaxoterapeuta,
ResponderEliminarSorte sua, a do nevoeiro intenso no dia do convite. Foi providencial. Esperar que clareasse, deu-lhe firmeza para resistir à lascívia e recusar o que já sabia que não queria, porque não é da sua índole pôr-se em bicos de pés. Nem isso lhe faz falta, como a vida tem provado.
Mal comparando, como muito mais gente revejo-me um bom par de vezes na sua estória, e talvez como ao autor, a recordação do nariz das Florindas dos Outeirinhos, e dos maridos papagaios trazem-me ao semblante um raro sorriso de prazer.
Obrigado.
Caro Relaxoterapeuta.
ResponderEliminarComo consegue numa pequena estória ficcionada, fazer uma análise (bem disposta,mas profunda) do que por aí vai.
Desculpe a pergunta (mas a contenção de custos obrigou-o a despedir a Lurdes Rata)?
Abraço
Rodrigo
A senhora de nariz empinado será a patroa?
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