O
anónimo das nove e qualquer coisa não tem nome, não tem rosto, mas tem hora.
Tem a hora em que decide, porque alguém lhe permite, escrever o que a vontade e
os reflexos, mais ou menos condicionados, lhe ditam. A hora em que os
neurotransmissores indicam às extremidades dos dedos em que caracteres carregar,
transpondo para a escrita, mais ou menos complexa, mais ou menos frívola, mais
ou menos temerária, mais ou menos encriptada, tudo o que seria suposto ou muito
para além disso.
O
anónimo das nove e qualquer coisa não tem nome, não tem rosto, mas existe. É
uma escolha. Posso ser eu, podes ser tu, pode ser quem assim o entender – um qualquer
cidadão, um político, um jornalista, um padre, uma puta, um zé-ninguém, um sicrano
com enormes responsabilidades, um fulano com enorme poder, um manipulador ou,
simplesmente, um palerma anónimo. O que faz a diferença para que na mesma
comunidade se albergue gente tão diferente e de natureza e origem tão diversas,
é o facto semi-irrefutável de que o anonimato funciona como um desinibidor de
bloqueios, como uma forma de escapar ao crivo da censura social, aos tormentos
de má consciência, à rotina dos dias, ao estigma das patologias aditivas, ou simplesmente
porque se torna muito mais cómodo ser inconsequente e inimputável. Porque se
torna muito mais cómodo criar personagens, alter egos - vilões, artistas, canalhas
- ou simplesmente porque é muito mais cómodo distanciarmo-nos da fraqueza e da miséria
humana. Transformarmo-nos de súbito em cidadãos altruístas, reflexivos ou numa
bestas, não exige nada em especial, apenas ocultar o nome ou adoptar uma senha.
Contudo, a volatilidade dos comportamentos e a ausência de medo e de pudor revelam
um denominador comum que nos obriga a reflectir sobre a convivência com esta
forma de manifestação, com este direito que não se basta a si próprio.
Mas
o mais irónico, é que a condição do anónimo das nove e qualquer coisa é a mesma
que assumimos quando estamos na cabine de voto, diante de um pedaço de papel
com siglas, nomes ou rostos, confrontados com a nossa consciência e com a nossa
responsabilidade.
Talvez
seja isso que por vezes faz falta aos espaços virtuais em que o anónimo da nove
e qualquer coisa e outros escrevem o que as suas vontades e os seus reflexos,
mais ou menos condicionados, lhes ditam – consciência e responsabilidade. Pois
que sem isso, não há cabine de voto que resista, não há paciência para conviver
de forma indiferente com palermas.
Eu anónimo me confesso.
Eu anónimo me confesso seu fã e acérrimo de enquanto defensor
ResponderEliminarEu que sempre assino por baixo, vá-se lá saber porquê, face à vantagem de poder ofender e achincalhar terceiros de quem não goste, a coberto do anonimato,aqui me assumo como um admirador confesso da sua capacidade de intervenção satírica, através da escrita, na vida política nacional e local.
ResponderEliminarCaro Relaxoterapeuta,
ResponderEliminarA contradição com que encerra o texto está justificada. Não precisa de se confessar, basta lembrar-se da bonomia com que o povo, na sua sabedoria, criou o adágio sobre S. Tomás.
Para além da inteligência e da forma literária dos seus textos, nunca neles vi qualquer falta de respeito pelo próximo nem pela liberdade. O uso de pseudónimo, ou de outra coisa que os cibernautas lhe queiram chamar, é um direito seu, que a meu ver apenas o priva e a nós leitores, do reconhecimento pessoal, mas talvez seja apenas esse o seu legítimo propósito.
Voltando aos textos, admito que possa haver quem se sinta insultado por não os entender, ou, ao contrário por ver neles a critica mordaz com que expõe o ridículo, ou descobre a careca de alguns figurões que preferiam passar incólumes. Nem todos, diga-se em abono da verdade, porque felizmente ainda há actores inteligentes que mesmo alvejados, aceitam o bom humor das suas críticas, num ou noutro caso, talvez com sorriso amarelado.
Por mim, por outros que conheço, tem a nossa absolvição. Deve continuar a pecar que nós agradecemos