14/11/13

O anónimo das nove e qualquer coisa



O anónimo das nove e qualquer coisa não tem nome, não tem rosto, mas tem hora. Tem a hora em que decide, porque alguém lhe permite, escrever o que a vontade e os reflexos, mais ou menos condicionados, lhe ditam. A hora em que os neurotransmissores indicam às extremidades dos dedos em que caracteres carregar, transpondo para a escrita, mais ou menos complexa, mais ou menos frívola, mais ou menos temerária, mais ou menos encriptada, tudo o que seria suposto ou muito para além disso.
O anónimo das nove e qualquer coisa não tem nome, não tem rosto, mas existe. É uma escolha. Posso ser eu, podes ser tu, pode ser quem assim o entender – um qualquer cidadão, um político, um jornalista, um padre, uma puta, um zé-ninguém, um sicrano com enormes responsabilidades, um fulano com enorme poder, um manipulador ou, simplesmente, um palerma anónimo. O que faz a diferença para que na mesma comunidade se albergue gente tão diferente e de natureza e origem tão diversas, é o facto semi-irrefutável de que o anonimato funciona como um desinibidor de bloqueios, como uma forma de escapar ao crivo da censura social, aos tormentos de má consciência, à rotina dos dias, ao estigma das patologias aditivas, ou simplesmente porque se torna muito mais cómodo ser inconsequente e inimputável. Porque se torna muito mais cómodo criar personagens, alter egos - vilões, artistas, canalhas - ou simplesmente porque é muito mais cómodo distanciarmo-nos da fraqueza e da miséria humana. Transformarmo-nos de súbito em cidadãos altruístas, reflexivos ou numa bestas, não exige nada em especial, apenas ocultar o nome ou adoptar uma senha. Contudo, a volatilidade dos comportamentos e a ausência de medo e de pudor revelam um denominador comum que nos obriga a reflectir sobre a convivência com esta forma de manifestação, com este direito que não se basta a si próprio.
Mas o mais irónico, é que a condição do anónimo das nove e qualquer coisa é a mesma que assumimos quando estamos na cabine de voto, diante de um pedaço de papel com siglas, nomes ou rostos, confrontados com a nossa consciência e com a nossa responsabilidade.
Talvez seja isso que por vezes faz falta aos espaços virtuais em que o anónimo da nove e qualquer coisa e outros escrevem o que as suas vontades e os seus reflexos, mais ou menos condicionados, lhes ditam – consciência e responsabilidade. Pois que sem isso, não há cabine de voto que resista, não há paciência para conviver de forma indiferente com palermas.
 Eu anónimo me confesso.


3 comentários:

  1. Eu anónimo me confesso seu fã e acérrimo de enquanto defensor

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  2. A. Constâncionovembro 14, 2013

    Eu que sempre assino por baixo, vá-se lá saber porquê, face à vantagem de poder ofender e achincalhar terceiros de quem não goste, a coberto do anonimato,aqui me assumo como um admirador confesso da sua capacidade de intervenção satírica, através da escrita, na vida política nacional e local.

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  3. Caro Relaxoterapeuta,
    A contradição com que encerra o texto está justificada. Não precisa de se confessar, basta lembrar-se da bonomia com que o povo, na sua sabedoria, criou o adágio sobre S. Tomás.
    Para além da inteligência e da forma literária dos seus textos, nunca neles vi qualquer falta de respeito pelo próximo nem pela liberdade. O uso de pseudónimo, ou de outra coisa que os cibernautas lhe queiram chamar, é um direito seu, que a meu ver apenas o priva e a nós leitores, do reconhecimento pessoal, mas talvez seja apenas esse o seu legítimo propósito.
    Voltando aos textos, admito que possa haver quem se sinta insultado por não os entender, ou, ao contrário por ver neles a critica mordaz com que expõe o ridículo, ou descobre a careca de alguns figurões que preferiam passar incólumes. Nem todos, diga-se em abono da verdade, porque felizmente ainda há actores inteligentes que mesmo alvejados, aceitam o bom humor das suas críticas, num ou noutro caso, talvez com sorriso amarelado.
    Por mim, por outros que conheço, tem a nossa absolvição. Deve continuar a pecar que nós agradecemos

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