O adjunto, um tipo pequenito com nome de gramínea, tinha dado o mote – “o mister vai dar show, mas sem direito a perguntas, ok?”.
E assim foi. O mister pré-anunciado como salvador da pátria entrou a passos firmes na sala de imprensa, seguindo de perto pelo séquito e pelo tal adjunto pequenito, um tipo saltitante e de verbo fácil – em todo o lado há um fulano destes que transmitem em energia o que lhes falta em miolo.
Sempre atento aos detalhes, o pequenote adiantou-se ao líder da equipa técnica para ajeitar o microfone de serviço e de seguida olhou-o com ternura fazendo um pequeno aceno com a cabeça, quase imperceptível - “Está tudo a postos mister, show time!”.
O mister, colocando um ar confiante e grave, arregalou o olho azul pestanudo em direcção aos flashes e fez uma pausa pré-estudada para se deixar fotografar. Era evidente que na mise-en-scène havia trabalho de casa. Era notório que estudara o adversário ao pormenor tentando recrear-lhe os tiques e os toques, martelados até à exaustão por diligentes assessores de imagem.
Vinte e três segundos volvidos, o exacto tempo estabelecido para o momento Pepsodente, o mister tossicou duas vezes, passou os dedos pelos cabelos sedosos e
iniciou a palestra, acentuado cada palavra com um exuberante movimento de braços e de mãos:
- “O projecto de Portugal, mas já estamos a falar os dois, eu e o FMI, vamos jogar, como eles sempre jogaram: PEC 5, 6, 7. Muitas vezes em casa, como eles também jogaram na Grécia e na Irlanda, vamos aplicar o PEC 8, 9, 10.
O plantel vai estar com 19 jogadores e mais um. Vários jogadores de futuro, que é para verem a nossa linha, mais ou menos, vai ser esta. Vou dar alguns nomes, esta é a nossa linha. Mendes Bota, Loulé, selecção Algarvia. Alberto J. Jardim, Madeira, é um jogador que tem partido a loiça toda, é um ponta de lança. Alberto J. Jardim. Fernando Nobre. Fernando Nobre, porquê? Fernando Nobre para mim é um jogador fantástico! Fantástico! É um jogador que ora joga à esquerda, ora à direita, ora ao centro, é um jogador fantástico! É o campeão da cidadania e costuma sair com brinde – aí uns seiscentos mil votitos.”
Subitamente o mister foi distraído por um jornalista que regurgitava o pesado almoço de cozido à portuguesa, reagindo à inconveniente eructação com visível irritação:
- “Sócio, por favor… peço-lhes por favor, senão paro, estou aqui concentradíssimo, por favor!”
Retomando o controlo da situação, o mister continuou a discorrer sobre o ardiloso projecto:
- “Quem vai ser o vigésimo jogador? O que é que Portugal tem de fazer com a situação económica que está? Tentar buscar dinheiro! Atão, o vigésimo jogador vai ser o melhor jogador líbio da actualidade. Porquê? Temos de ir buscar sponsers! Porquê? Porque se vem o melhor jogador líbio pr’aqui, vai vir charters todas as semanas de quatrocentos, quinhentos militares das forças aliadas para apanhar o fulano e bombardeá-lo. Portugal vai ter comissão nos charters, nas bombas, nas bifanas, etc, etc, etc. Vamos só abrir um departamento para este jogador líbio e aproveitamos para aumentar o IVA, privatizar a Caixa, plafonar os descontos para a Segurança Social, etc, etc, etc. Portugueses, isto é o projecto para irmos para a frente, não há outro. Vamos ganhar, vamos estar lá em cima outra vez! Portugal não pode nunca mais voltar à situação que está hoje!”