25/01/11

Demo Cracia

Ontem de manhã a Lurdes Rata chegou cá a casa com um sorrisinho nos lábios, um esgar irónico de provocadora, e a fronha marcada – o olho direito apresentava um hematoma em tons de um exuberante azul-lilás, por certo, em resultado de mais uma das habituais investidas selváticas da cavalgadura a que chama marido e que por habito trata de forma patética e de uma meiguice quase obscena por, “o meu Tininho”.
“Então Lurdes, o que é que se passa? Parece que hoje acordaste bem disposta…” – atirei-lhe eu. “Bem feita! Bem feita!” – respondeu com ar vitorioso – “O Sócrates perdeu! É bem feita! Julgava que podia andar a mentir e a roubar a gente a torto e a direito, não pensava? Toma lá que já almoçaste!”.
Quase tocado pelo inusitado entusiasmo de uma mulher cujo avô foi torturado às mãos da PIDE e que sempre fez questão de anunciar que só votava “na foice e no martelo”, atirei-lhe o isco - “Não me digas que votaste no Cavaco?”. Olhou para mim com ar irado e disparou - “Eu quero é que o Cavaco e Silva se quilhe! Pus lá a cruz mas não foi para ele ganhar, foi p’ró Sócrates perder, esse bandido! Olhe que até a minha comadre Judite que é toda PS e que não falta a uma Quinta-Feira da Ascensão nas Árvores, votou naquele senhor que é médico dos pobrezinhos. Ela diz que não grama o Alegre desde que ele fez aquela malandrice de concorrer contra o Soares e isso não lhe perdoa. Olhe, isto é tudo a mesma quadrilha, um bando de vigaristas é o que é. Razão tem a minha filha e o namorado que nem puseram lá os pés para votar. Ficaram à lareira o dia todo a ver filmes e a fazer marmelada. Eu até já a avisei: Vânia Catarina, se queres estar na marmelada com o Mauro, ao menos vai para o teu quarto que cá em casa não quero poucas-vergonhas. Mas olhe que aquele da Madeira é que disse umas verdades, o que eu me ri com aquele malandro.”
Face à clarividência da análise produzida pela Lurdes Rata, na minha cabeça fez-se luz, afinal aqueles resultados que na véspera me pareciam inverosímeis, estapafúrdios, bizarros até, tinham afinal um motivo, uma explicação plausível, uma razão mediata - uma profunda descrença e irritação, e um preocupante alheamento, tudo traduzido no “voto contra”, um voto negativo, de censura, não a favor de algum candidato ou de algum projecto, mas simplesmente um voto de negação: um voto em Cavaco contra Sócrates, um voto em Alegre contra Cavaco, um voto em Nobre contra Alegre, um voto em Lopes porque é do contra, um voto em Coelho contra a racionalidade, um voto em branco (ou nulo) contra o status e até os abstencionistas, como habitualmente, votaram contra a democracia.
“Então e esse olho à Belenenses? Não me digas que o Tininho te foi outra vez às fuças?!”. Lurdes baixou os olhos num misto de vergonha e de embaraço, não conseguindo conter uma lágrima amarga. “Mas porque não deixas tu esse animal, mulher?” – perguntei-lhe revoltado. Retomando a compostura Lurdes Rata respondeu conformada – “Ele não me trata bem, não me dá alegrias nem me dá prazer. No fundo até tenho pena dele, porque se calhar ele nem é mau homem. E deste já sei eu o que espero. Já viu se a seguir me calhasse um pior?”. “Pior que o quê?” – questionei-a meio aparvalhado.


18/01/11

Memória do Futuro




Apesar de não parecer hoje foi dia de festa, c’uma porra! Há lá maior legado que contar entre os nossos com gente destemida e valente, lutadora, c’uma porra? Há lá maior testamento que enfrentar a pena capital e o degredo, com coragem, com dignidade e sem medo? Há lá maior carácter e bravura do que lutar contra a ditadura? Por aquilo em que se acredita de forma inabalável? Não deveria ser esta a marca d’água deste povo, carago? Mas… agora reparo, o que é feito de nós, c’uma porra? De mim, de ti, do vizinho, do vidreiro, da empalhadeira, do lapidário, do metalúrgico, do gajo que tirou o curso à noite, na Escola Comercial e Industrial, enquanto de dia colhia bolas de fogo à boca do forno? Que é feito da solidariedade, da camaradagem, da sobriedade, do sacrifício, da honra, da vaidade de ser gente boa? Onde está a fibra, o nervo, a vontade? Onde está a dignidade? Onde está a esperança, catano? Entretemo-nos a discutir merdas e merdinhas e o pintelho e mais o pinchavelho e o carago, e esquecemos que o futuro já aí vem, que o tempo perdido jamais se recupera, que o mais importante somos todos e não cada um de nós…
Os Marinhenses com memória celebraram hoje a memória. Não por saudade mas por uma réstia de orgulho, pela glória que lhes corre nas veias e pela perpétua vontade de vencer, até os seus próprios medos. Pois se eles ousaram enfrentar, porque não  haveremos nós de ousar também? De quem é o pinhal? É nosso, foscasse!!!



16/01/11

Razões para não apostar no Sr. Silva (IV)



4ª Razão


“O Estranho Caso das Escutas”, uma película de argumento entre o púrrio, o pífio e o mirabolante, realizada pelo Sr. Silva, e que estreou nas salas de todos o país no pretérito verão, é paradigmática. A forma leviana e inconsequente como o dito senhor tratou de um assunto de tamanho melindre é, no mínimo, infeliz (para não dizer irresponsável). É que, a ser verdade, dar-lhe-ia razões supra óbvias para rescindir por justa causa o contrato a termo com o precário engenheiro Pinto de Sousa, mas que, a ser mentira, deveria ter desencadeado uma atitude enérgica e viril, ou mesmo hormonal, culminando na aplicação de alguns açoites ou mesmo vergastadas de cavalo marinho no Sr. Lima e nos seus acólitozitos.
Mas, como se deveria então ter portado o Sr. Silva? Não sou eu que o digo, mas é o próprio que responde, e na internet, como ele tanto gosta.


É por esta e por outras que me irrita gente que diz uma coisa mas que faz o seu contrário. Irrita-me profundamente!!!


14/01/11

Razões para não apostar no Sr. Silva (III)



3ª Razão

 
O Sr. Silva, que em tempos se entreteve a negociar com Bruxelas o abate de grande parte da nossa frota pesqueira, parece agora ter descoberto o mar e os seus vastos recursos.
Ora, um algarvio, de Boliqueime, que só descobre o mar aos setentas anos, é porque tem andando muito distraído, e a mim irrita-me gente distraída! Irrita-me profundamente!!!

13/01/11

Razões para não apostar no Sr. Silva (II)



2ª Razão

 
Fazendo fé no que afirmou o Sr. Mendes, o pequeno comentador da TVI e colega do Sr. Silva, que parece saber mais sobre a rendibilidade dos seus (do Sr. Silva) investimentos do que o próprio, no preciso dia em que o Sr. Silva vendeu as acções que detinha na SLN por 2,40€ houve quem as vendesse a 2,61€. Sintomático...
Ora, sendo voz corrente que o Sr. Silva é um economista de nomeada, perder uma oportunidade desta para mim só tem uma explicação: incompetência!... E gente incompetente, irrita-me! Irrita-me profundamente!!!

12/01/11

Razões para não apostar no Sr. Silva (I)



Preâmbulo

A conselho da medicina convencional e das mais elementares regras de higiene oral e de sanidade mental, no último fim-de-semana desci ao Pulo do Lobo, ao Portugal profundo, para me recolher em retiro político-espiritual, transcendental, procurando nos sinais da mãe-natureza indícios que me revelassem a verdadeira dimensão do último mandato do Sr. Silva e das suas reais intenções quanto ao porvir.
Os sinais da mãe-natureza foram inequívocos e confrontaram-me com algumas boas razões para não apostar no candidato Sr. Silva, não só no que se refere à sua qualidade de promitente vendedor de amanhãs que cantam, mas também pelo seu desempenho no cargo de mais alto magistrado da nação que agora se avalia (ou deveria avaliar…).
Pesados os prós e os contras, contabilizadas as inevitáveis dissidências e as eventuais quebras de audiência, reiterando o meu compromisso e fidelidade para com a minha volúvel consciência, entendo que é meu dever partilhar com os restantes mortais essas (minhas) razões, ainda que mesquinhas ou frívolas, ainda que ridículas ou mesmo de tom negro. Mas não o faço com sentido de demover alguém a confiar a sua cruzinha ao Sr. Silva, mas apenas para fundamentar de forma desculpabilizante a minha embirração com um sujeito que consegue enfiar 170 gramas de Bolo-Rei na boca, de uma assentada, ao mesmo tempo que cita quase de cor a Constituição da República Portuguesa. Razões sobejamente fortes para explicar a incomodativa urticária que tal figura me provoca.


1ª Razão

Só a simples ideia de que não posso superar alguém, causa-me tremuras, irritação cutânea e uma aversão imediata a indivíduos que não ousam sequer admitir a minha eventual superioridade (moral, intelectual, ou mesmo reprodutiva, ou outra).
Ora, não estando nos meus planos ser expelido uma segunda vez por um qualquer útero, nunca poderei por isso almejar a ser mais sério do que o candidato Sr. Silva, e isso irrita-me! Irrita-me profundamente!!!


07/01/11

Micro-deuses





Deus quer, o Editorialista sonha, a obra nasce

Não, não é um dos lendários caderninhos Moleskine de um renomado vulto do pensamento ou das artes, mas tão-somente uma agenda Condor, baratuxa, de um aprendiz de feiticeiro que tem uma fantasia: quando for grande quer experimentar uma carreira nessa coisa da política. E já tem (boas) ideias, muitas (boas) ideias, aos magotes, como convém aliás a qualquer fala-barato com pinta de ideólogo equidistante e independente. Porém, o seu estado de hipnóide poder-lhe-á ser letal. Ou não. Ao ritmo a que os estados de alma se sucedem talvez ainda consiga convencer o esfalfado e desnorteado (e "inócuo") maire a levar por diante um dos mais extraordinários eventos que a humanidade ousou alguma vez sequer imaginar, só para fazer esquecer a desgraça da bienal dos artistas & companhia. «E que tal, se a par da “Semana dos Moldes”, organizássemos a “Semana do Riso”?». Quem sabe se não estará aqui a oportunidade de Colombo para dar projecção à cidade e uma saraivada no moribundo vidro, entronizando-a como a “Capital do Riso”, quem sabe…
Lá bons artistas da comédia, temos com fartura. Lá isso temos.


05/01/11

Magister Dixit



Quarta-feira, 5 de Janeiro de 2011


Gostei de participar ontem num debate sobre as presidenciais na TVI-24, moderado pela Constança Cunha e Sá e com a participação de Santana Lopes e de Fernando Rosas. O tema BPN esteve presente, como não podia deixar de ser, mas não dominou o debate. Os intervenientes foram muito mais longe sobre o que devia ser a agenda desta campanha: que tipo de governo os candidatos patrocinariam no início, e no decurso, do respectivo mandato, que iniciativas os presidenciáveis tomariam perante a crise europeia e perante o tratamento negativo sistemático que os países do arco periférico daUE estão a receber,o que pensam dos projectos de revisão constitucional anunciados, que interpretação efectiva fazem dos poderes do PR, etc.

Publicada por josé medeiros ferreira em 10:48


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Nota de rodapé: vi o aludido debate e dei por muito bem empregue o meu tempo; finalmente alguém comentou o óbvio: esta "pré-campanha" está a ser tudo menos uma "pré-campanha" decente, para eleger um presidente decente - e não é por causa do BPN!... – é por causa do que não se tem discutido.
Ideologias à parte, esta foi a conclusão implícita de todos os intervenientes. Assino por baixo.


03/01/11

Coisas sem importância



Hoje fui-me aviar à “Comprativa” e as funcionárias desejaram-me um “bom ano”. A seguir fui às bombas da Galp meter gasolina e a funcionária desejou-me um “bom ano”. Depois, ainda na avenida, passei pelo banco e pela farmácia, e os respectivos funcionários também me desejaram um “bom ano”. Antes de ir para casa ainda passei nas Finanças, para pedir uma certidão, e fui novamente brindado com os desejos de um “bom ano”.
Por fim, cheguei a casa, carregado de votos de um “bom ano” e de uma valente enxaqueca, abri a carteira e confirmei que pouco sobrava. Passei os olhos pelo jornal do dia e, como habitualmente, só vi desgraças. Liguei a televisão para ver as notícias e senti-me desfalecer. A custo, alcancei do frigorífico uma garrafa de espumoso, esquecida do reveillon de 2004, abri-a e desejei ao meu Piruças um “bom ano”. O cão ladrou-me desconfiado e correu para o patim, ignorando o meu voto e o meu estado pré-comatoso. O espumoso não tinha gás e sabia a velho. C’uma porra, afinal de contas para que é que contamos os anos? Para renovarmos a esperança ou para nos auto-flagelarmos?
Há dias em que um gajo mais valia balir...