22/02/13

Chouriço de Cavalo


Os vestígios de carne de cavalo estão por todo o lado e desvendam-se à velocidade dum já-te-foste. Comer gato por lebre é o prato do dia, vezes sem conta, e sem que o chefe vacile ou pestaneje, enquanto escreve a letra de contornos rocócó, a rica ementa que irá saciar à míngua os distraídos comensais: “lebre de Mourão em cama de grelos, e aveludado de castanhas de Carrazedo de Montenegro, cozidas ao vapor de etílicos de eleição - Touriga Nacional e Trincadeira”. O gato era o da vizinha, os grelos estão amarelos, as castanhas são made-in China e o vinho é zurrapa do Soutocico.
Noutros tempos, nos ídos em que a palavra e a honra eram o sinete com que os Homens eram marcados à nascença, ser apanhado em falso era mais que motivo para a vergonha e para uma certidão de óbito por enforcamento, assinada pelo descrédito e pelo punho do enforcado. Mas isso eram outros tempos…
Agora, prioritário mesmo é elevar, com enlevo, à condição de querubins e serafins, as réplicas de nariz tumescente de Mestre Geppetto, produzidas em série pelas máquinas de injecção partidárias e pelas máquinas de insuflação dos egos e das vaidades da sociedade civil.
É por isso que Relvas tresanda a carne de cavalo e é por isso que governo e maioria vêm em defesa da sua honra, mais alva e imaculada que o lençol duma rameira. É preciso enunciar ao povo que entoa a senha da revolução de que quando um burro fala os outros devem permanecer de orelhas murchas? É bom que não se esqueçam que Relvas tem direitos constitucionais garantidos como, a liberdade de expressão, a liberdade de opinião, as licenciaturas por correspondência em feriados e dias santos de guarda, as passagens de ano em Copacabana com os irmãos Metralha, e até, sublinhe-se, e até, a balbuciar a Grândola Vila Morena com ar de cachaceiro e sorriso cínico, enquanto o povo violenta as suas aulas de sapiência. Mas Relvas tem mais, tem o direito constitucional de meter nojo e tem o direito divino de representar os mais nutritivos e ricos preparados de carne de vaca, produzidos a partir de equídeos das melhores origens e proveniências, tudo a bem dos mercados e da credibilidade que lhes é preciso afiançar. Não importa se o povo estrebucha ou se sucumbe, se se sente esganado, extorquido ou empalado, o importante é fazer-se silêncio enquanto as guitarras trinam e o fadista relincha.
Se eu fosse José Viegas mandaria Relvas tomar com chouriço de cavalo, mas como não sou, limito-me a constatar que a carne é fraca.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário