Os vestígios de carne de cavalo
estão por todo o lado e desvendam-se à velocidade dum já-te-foste. Comer gato por lebre é o prato do dia, vezes sem
conta, e sem que o chefe vacile ou pestaneje, enquanto escreve a letra de
contornos rocócó, a rica ementa que irá saciar à míngua os distraídos
comensais: “lebre de Mourão em cama de grelos, e aveludado de castanhas de Carrazedo
de Montenegro, cozidas ao vapor de etílicos de eleição - Touriga Nacional e Trincadeira”.
O gato era o da vizinha, os grelos estão amarelos, as castanhas são made-in China
e o vinho é zurrapa do Soutocico.
Noutros tempos, nos ídos em que a
palavra e a honra eram o sinete com que os Homens eram marcados à nascença, ser
apanhado em falso era mais que motivo para a vergonha e para uma certidão de óbito
por enforcamento, assinada pelo descrédito e pelo punho do enforcado. Mas isso
eram outros tempos…
Agora, prioritário mesmo é elevar, com enlevo, à condição de querubins e serafins, as réplicas de nariz tumescente
de Mestre Geppetto, produzidas em série pelas máquinas de injecção partidárias e
pelas máquinas de insuflação dos egos e das vaidades da sociedade civil.
É por isso que Relvas tresanda a
carne de cavalo e é por isso que governo e maioria vêm em defesa da sua honra,
mais alva e imaculada que o lençol duma rameira. É preciso enunciar ao povo que
entoa a senha da revolução de que quando um burro fala os outros devem permanecer
de orelhas murchas? É bom que não se esqueçam que Relvas tem direitos constitucionais
garantidos como, a liberdade de expressão, a liberdade de opinião, as licenciaturas
por correspondência em feriados e dias santos de guarda, as passagens de ano em
Copacabana com os irmãos Metralha, e até, sublinhe-se, e até, a balbuciar a Grândola Vila Morena com ar de cachaceiro
e sorriso cínico, enquanto o povo violenta as suas aulas de sapiência. Mas Relvas tem mais, tem o direito constitucional de meter nojo e
tem o direito divino de representar os mais nutritivos e ricos preparados de
carne de vaca, produzidos a partir de equídeos das melhores origens e
proveniências, tudo a bem dos mercados e da credibilidade que lhes é preciso
afiançar. Não importa se o povo estrebucha ou se sucumbe, se se sente esganado, extorquido ou empalado, o importante é fazer-se silêncio enquanto as guitarras trinam e o fadista relincha.
Se eu fosse José Viegas
mandaria Relvas tomar com chouriço de cavalo, mas como não sou, limito-me a constatar
que a carne é fraca.
Sem comentários:
Enviar um comentário