“Quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão”
(popular)
Há muito que se sabia, de viva voz, que o Sr. Silva passava
privações. Os cortes aplicados aos parcos rendimentos do ex-professor, ex-alto
quadro do Banco de Portugal, ex-primeiro-ministro, ex-colecionador de estigmas (do
mar, da agricultura e da indústria), ex-político-que-nunca-foi-político, ex-coisa-nenhuma,
entre outros números de circo, levaram-no a suspirar alto, há já algum tempo
atrás, que o que recebia mal dava para pagar as despesas. C’um caneco! Aliás, os
sinais exteriores de indigência já se tinham manifestado em 1993, aquando da
construção da marquise da Travessa do Possolo, emblemática obra de fachada com
direito a uma “atençãozinha” por parte do empreiteiro, uma acanhada mas
funcional assoalhada forrada a azulejos Viúva Lamego, herméticamente fechada a alumínio lacado, com persianas em pvc antifúngico, destinada
a acomodar Maria, que ao tempo costurava e passava a ferro para fora, como de
forma de compor o rendimento familiar. Mais tarde dedicar-se-ia à venda de produtos
da Avon, por catálogo.
Porém, a semana passada ficámos a saber muito mais. Ficámos
a saber que o silêncio do sr. Silva é de ouro e por isso sujeito à cotação dos
mercados. Upa, upa...
Como o seu amigo Mestre Gaspar (de cognome “O Caolho”),
vidente diplomado e adivinho de reconhecidos méritos vaticinou que o preço do
ouro irá subir em flecha a partir de meados de 2013, a par da recuperação da
economia da colónia mais ocidental da Alemanha, o sovina Silva aguarda por
melhores dias para vender o seu silêncio a peso d’ouro e fazer um bom
pé-de-meia, já que o requentado António Sala, também abordado sobre um possível
interesse na compra do vil mutismo, apenas oferecia uma bagatela. “Publicidade
enganosa” – comentou o sr. Silva após a abordagem falhada ao antigo despertador
da rádio.
Mas o mais irónico é que a semana passada o sr. Silva quebrou
o precioso silêncio para explicar o próprio silêncio, através de um
investimento de alto risco numa carreira de comediante, pondo em causa a sua
credibilidade e a sua magistratura em troca de umas míseras gargalhadas
desdenhosas, no Clube dos Jornalistas. Acto-contínuo, a cotação do seu silêncio
desceu a pique e a decência perdeu-se na vulgaridade do texto, mal decorado,
provavelmente encomendado ao mesmo guionista do emblemático filme de Marcelo “A
Marcha dos Parolos”.
Silva falou para não dizer nada, avisou. Silva falou
convencido que estava a ser engraçado, mas não teve piada. Silva não percebeu
que a sua miserável interpretação do monólogo da reflexão esconde a mais cruel
das realidades – o seu silêncio é cúmplice de um vergonhoso golpe de estado e de
um despudorado atentado à democracia representativa e à Constituição da
República. A “refundação do estado” levada a cabo administrativamente por
funcionários subalternos do sindicato bancário que nos resgatou do lodo, com a
cumplicidade de Passos & Ca., tem tanto de inaceitável como de perverso. Não
perceber isto é não perceber os fundamentos do nosso estado democrático, e o
sr. Silva, que aproveitou da democracia representativa para ser eleito, que jurou
defender a Constituição, que berrou garantir o regular funcionamento das
instituições e a representatividade institucional de todos os portugueses, diverte-se a postar
à peça os seus estados de alma no facebook e a brincar aos aprendizes de entretainer.
É certo que a situação é muito delicada e que o país precisa
de alguma serenidade para reflectir o que de bom urge replicar e o que de mau tem
de eliminar. É um facto. Mas também é um facto que a redistribuição da riqueza,
a assunção da responsabilidade por garantir as mais básicas condições de
igualdade, a regulação do interesse privado face à preeminência do bem
colectivo, tudo factores que permitem a coesão social e o estado de paz que
temos vivido, não podem ser decididos em reuniões de avaliação com funcionários dos credores,
pois que, ao contrário dos mercados, a democracia tem regras. Pena que o sr. Silva
também ainda as não tenha percebido.
Se é pago para ser presidente, pois que se dedique a essas tarefas e deixe as piadolas de mau gosto para subalternos de quinta linha como eu. Se acha que ganha pouco para a função, pois que saia da sua zona de conforto e emigre.