Fogachos!... É de fogachos que vamos vivendo, na maioria das vezes ao ritmo do tempo e do modo media, da vontade dos editores dos noticiários, os quais muitas vezes trazem à luz do dia, notícias por nós consciente ou inconscientemente ignoradas. E o país reage. Torpe, mas reage. Reage aos fogachos com indignação, com legislação avulsa ou com um inusitado espanto de quem passa os dias a assobiar para o lado, como se no resto do tempo em que os holofotes da informação não incidem sobre o tema, tudo se passasse de maneira diferente.
Os exemplos são mais que muitos. Reporto-me por isso a alguns dos mais recentes: os partos nas ambulâncias, por alturas em que o governo decidiu fechar serviços de obstetrícia (pareciam proliferar como cogumelos), as mortes causadas pela gripe das aves primeiro, e pela gripe A, depois, pandemias pré-anunciadas com contornos nublosos, fazendo esquecer os milhares que morrem todos os anos de gripe sazonal, e, mais recentemente, os velhos que morrem ao abandono da família e do estado (com letra pequena).
De repente descobrimos, graças às televisões que fizeram caixa de ressonância de uma notícia quase ignorada, vinda a público num jornal diário, que há velhos a morrer sem que ninguém se importe. Quase ninguém, corrijo. E digo “velhos”, porque é disso que se trata. O nosso estado de desenvolvimento civilizacional e o nosso modelo de vida não permitem luxos, não permitem dar tempo e atenção a quem já ultrapassou o prazo de validade produtiva, contributiva e reprodutiva. A pirâmide de idades é implacável e recomenda que as fraldas, os cuidados básicos e os mimos, sejam restringidos, por questões de racionalidade económica e de sustentabilidade, a menores de três anos, tudo por solidariedade geracional. Porque afinal os velhos representam um problema económico sério, caramba. Porque deles, a única coisa que realmente se pode esperar, é darem trabalho e despesa, tempo e dinheiro, o binómio que baliza o nosso anedótico estado social. O mesmo estado que se recusa a arrombar a porta da velha quando a vizinha sinaliza a sua ausência, mas que não tem pejo nem relutância em profanar-lhe o jazigo, para cobrar umas míseras centenas de euros de impostos em dívida. Pudera, a velha não tinha como se deslocar às Finanças. E isto é brutal...
Fica por isso justificado que a nossa sociedade, uma sociedade de tipo ocidental, UE, avançada, moderna, inovadora, cientifica, decrete que a dimensão humana passe a “coisa”, e que um ser humano passe a ter “utilidade”, medida em anos e em estados de saúde, pois, afinal de contas os velhos não têm futuro.
Obliteramos contudo algo de muito, mas mesmo muito importante, geneticamente importante, diria: se os velhos não têm futuro, menos futuro têm as sociedades que não os sabem amar e cuidar. Até porque um dia quase todos o seremos - velhos. E aí chegados, será que suportaremos que nos digam que não temos futuro?
Grande texto!
ResponderEliminarE permito-me deixar aqui um comentário verdadeiramente acintoso: será que tal texto não merece os habituais comentários dos que aqui aparecem habitualmente a comentar?
Não refiro, claro está, os dos 'anónimos', que, esses, tenho dúvida que se apercebam da dimensão e da profundidade social do que aqui escreveu o Relaxoterapeuta...
Caro Acintoso
ResponderEliminarAcho que tem razão. Este e os outros testos do Relaxoterapeuta, mereciam não só mais comentários como uma maior discussão, não estéril, mas que pudesse conscencializar muitos de nós para o problema tratado neste post. A Velhice.
Recordo que num dos primeiros posts publicado no "Conto do Vigário" sugeria que não deixassemos ir o Dr. Coelho sem a devida homenagem. Não sei se caíu em saco roto?
Deixo uma coisa que já publiquei mas que me impressionou muito.
Cumprimentos
http://www.youtube.com/watch?v=CaexXJ6UFnw
Bom dia,
ResponderEliminarSempre foi, minha preocupação, a infância e a velhice e, agora que estou a meio caminho, sinto-me muito assustada, com toda esta indiferença de quase todos.
Em relação á homenagem, sugerida aqui, neste blog, ao Sr Dr Coelho, todos nós temos obrigação de nos empenharmos na mesma e dar sugestões.
Sabemos que a sua filha, está junto do Executivo Camarário e, depois as criticas...
Eu tenho alguns velhos amigos...
ResponderEliminar"Um dia a maioria de nós irá separar-se.
Sentiremos saudades de todas as conversas atiradas fora,
das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos,
dos tantos risos e momentos que partilhámos.
Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das
vésperas dos fins-de-semana, dos finais de ano, enfim...
do companheirismo vivido.
Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre.
Hoje já não tenho tanta certeza disso.
Em breve cada um vai para seu lado, seja
pelo destino ou por algum
desentendimento, segue a sua vida.
Talvez continuemos a encontrar-nos, quem sabe... nas cartas
que trocaremos.
Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices...
Aí, os dias vão passar, meses... anos... até este contacto
se tornar cada vez mais raro.
Vamo-nos perder no tempo...
Um dia os nossos filhos verão as nossas fotografias e
perguntarão:
Quem são aquelas pessoas?
Diremos... que eram nossos amigos e... isso vai doer tanto!
- Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons
anos da minha vida!
A saudade vai apertar bem dentro do peito.
Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...
Quando o nosso grupo estiver incompleto...
reunir-nos-emos para um último adeus a um amigo.
E, entre lágrimas, abraçar-nos-emos.
Então, faremos promessas de nos encontrarmos mais vezes
daquele dia em diante.
Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vida isolada do passado.
E perder-nos-emos no tempo...
Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não
deixes que a vida
passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de
grandes tempestades...
Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem
morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!"
fernando pessoa