Louçã contou as espingardas e concluiu que lhe faltava uma. Olhou para a sua esquerda e, pelo esgar marialva de Jerónimo, percebeu que este a tinha e que se preparava para lhe dar uso. Só havia uma saída - olhou nos olhos o engenheiro Pinto de Sousa, assentou os calcanhares no chão e, comprimindo energicamente as nádegas e os laços abdominais, fez fluir ao pescoço de peru golfadas de sangue. Da boca saiu-lhe, de um jorro, a deixa mortal: “Cara ou coroa, engenheiro? Se for cara, o seu grupo parlamentar tem de dar cinco voltas ao Mosteiro de S. Bento da Saúde, carregando-o a si e mais à sua pandilha, em cima do andor. Se for coroa, chamamos a Servilusa para o carregar daqui p’ra fora. E se ninguém quiser fazer uma vaquinha, nós pagamos sozinhos a corrida para o Alto de S. João!”. “E para quando é isso?” – questionou o engenheiro entre o espantado e o incrédulo, mas espreitando pelo canto do olho para a sua direita, onde os líderes da nova mas mais que provável recauchutada boysband, fazendo-se distraídos, se entretinham a estudar listas de nomes de putativos candidatos a qualquer-coisa, e a limpar a baba que lhes escorria de forma abundante pelos cantos da boca. “Daqui a um mês, depois do Silva assentar arraiais em Belém!” – respondeu Louçã com desprezo. Pinto de Sousa estremeceu.
Subitamente assaltado por pensamentos apocalípticos de mercados irados e esfaimados, insaciáveis, lambuzando-se com bracinhos e perninhas de ministros e de secretários de estado, e bebendo absinto em crânios de deputados do seu grupo parlamentar, Pinto de Sousa matutou de si para si : “Isto não me está a acontecer… e logo agora que eu estava a «colocar dívida» como quem limpa o cú a meninos. Os mercados vão reagir, vão ter um AVC, c’um carago!”.
Subitamente assaltado por pensamentos apocalípticos de mercados irados e esfaimados, insaciáveis, lambuzando-se com bracinhos e perninhas de ministros e de secretários de estado, e bebendo absinto em crânios de deputados do seu grupo parlamentar, Pinto de Sousa matutou de si para si : “Isto não me está a acontecer… e logo agora que eu estava a «colocar dívida» como quem limpa o cú a meninos. Os mercados vão reagir, vão ter um AVC, c’um carago!”.
Os olhos injectados de sangue deixavam perceber que o espanto inicial começava a dar lugar à raiva e à angustia. “Este lagostim de extrema-esquerda não se fica a rir de mim! Ai isso é que não fica!” – pensou. “Vou mandar o Pinho fazer-lhe uns chavelhos e uns piretes, que ele é habilidoso nessas coisas. Só para enxovalhar o gajo!”. A ira estava a toldar-lhe o discernimento e só quando olhou para a sua esquerda em busca do dito, é que se recordou que Pinho há muito que o abandonara, depois de uma bagatela com Bernardino.
De seguida procurou Assis com o olhar, mas o seu chefe de bancada, de expressão triste e cabisbacho, fixava meio envergonhado a barguilha das calças de cotelê, como se procurasse nas imediações do fecho éclair algum conforto para a desfeita que o compagnom de route da campanha alegre, lhe acabara de causar.
Porém, ao lado de Pinto de Sousa, o cenário não era mais animador. Os ministros estavam subitamente a enviar sms’s em simultâneo, pequenas frases, tweets, onde o denominador comum era qualquer coisa como: “vê lá se me arranjas aí um lugarzito na administração”.
Cada vez mais embaraçado Pinto de Sousa reclinou a cabeça para trás, tentando alcançar Gama, procurando no datário da Fajã de Baixo o conforto de um braço amigo que o fizesse emergir.
Gama, apercebendo-se do inusitado embaraço e da carência de afecto que o engenheiro evidenciava, agarrou numa cópia do regimento e, ajeitando os óculos na ponta do nariz tomou a palavra para proferir em tom grave: “Senhor Primeiro-Ministro, senhores membros do Governo, senhores Deputados, face à gravidade da situação anunciada para daqui a um mês, pelo deputado Louçã, vamos ter de fazer uma pausa retemperadora, de acordo com o 3-A do art…” – mas Gama já não conseguiu acabar a frase, foi interrompido por gritos vindos do meio da bancada do PS onde um deputado de barba à diplomata e estatura acima da média, agitando frenéticamente um pequeno pedaço de papel numa mão e um lápis cor de rosa na outra, berrava eufórico num sotaque vincadamente avieiro: “3-A? 3-A? Um tire num barque de dois canes, Sr. Presidente! Um tire num barque de dois canes!”.
...
E o meu problema, sabem qual é? Não estamos nada em fim de ciclo, como alguns nos querem fazer crer. Estamos mas é a chegar a mais um intervalo no jogo das cadeiras. Estamos mas é f……
É o que somos e o país que temos. Tudo ao nível desta croniqueta.
Caro Relaxoterapeuta
ResponderEliminarGamei-lhe mais uma vez o post.
Está no meu escaparate itinerante.
Espero que não leve a mal. Mas é de facto imperdível.
Abraço
Use e abuse, caro amigo. Tal como a Tumg, estou aqui para servir.
ResponderEliminarBom fim de semana.
Acho que o assunto é demasiado sério para este tipo de brincadeiras. Se quiser ver algo mesmo a sério aconselho o a ler o que O Curioso escreveu hoje no Largo das Calhandrices, isso sim um belo texto de opinião...!!!
ResponderEliminarPassar bem.........
Pois...
ResponderEliminarSe calhar tenho de mudar de lentes...
Não fazendo apologia, por desnecessária, é obviamente clara, contundente, e de uma perspicácia humorista inigualável.O Relaxoterapeuta, é do melhor que já li.
ResponderEliminarPor aí ouve-se um retumbante aplauso!...
ResponderEliminarDe facto, para a situação triste em que estamos mergulhados, só na sátira poderemos encontrar algum escape…
ó não me fecundem sff... tem lido poucos autores não tem?
ResponderEliminarComo quase sempre, só posso aplaudir a forma e o conteúdo. Divulguei o endereço entre a minha lista de amigos porque acho que estes textos são imperdíveis.
ResponderEliminarAnónimos, alguns... que remédio...que bocejo!
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