21/02/11

Mandrake




Lúcia, uma vizinha minha, divorciada e com uma catrefada de garotos, que em cachopa até era toda jeitosa mas que se deixou engordar mais de duas arrobas logo após a primeira gravidez, passou por mim fina que nem um palito, com o nalgueiro reduzido a um terço, as maminhas a metade e o rosto, habitualmente roliço e carnudo, revelando alguns dos traços que a haviam tornado apetecível noutros tempos - “Porra vizinha Lúcia, nem a estava a reconhecer!... Está toda elegante… anda a fazer dieta ou fez uma plástica?” A mulher corou de raiva e respondeu com aspereza: “O raio que o parta, seu Don Juan de meia tigela, acabou-se foi o fundo de desemprego e agora como merda!”. Pelo tom de voz e pela riqueza do léxico, pressenti de imdediato que o galanteio tinha sido desadequado e que tinha irritado a pequena. Mas como tenho o coração ao pé da boca e o verbo na ponta da língua, já não fui a tempo de evitar um inconveniente piropo à matador: “Mas olhe que pelos vistos tem-lhe feito bem!...” Acto contínuo, a mulher assentou-me duas galhetas e seguiu passeio fora a praguejar.
Magoado no ego e com as bochechas a arder, tentei recobrar o ânimo e a dignidade ultrajada pela mal-agradecida lambisgóia. Foi então que entendi o alcance do desabafo do engenheiro Pinto de Sousa - "Não percebo como algum líder fica maldisposto quando os números são bons". E eu também não caro Pinto de Sousa. Bom, estamos a falar de números de circo, certo?


17/02/11

Os velhos não têm futuro



Fogachos!... É de fogachos que vamos vivendo, na maioria das vezes ao ritmo do tempo e do modo media, da vontade dos editores dos noticiários, os quais muitas vezes trazem à luz do dia, notícias por nós consciente ou inconscientemente ignoradas. E o país reage. Torpe, mas reage. Reage aos fogachos com indignação, com legislação avulsa ou com um inusitado espanto de quem passa os dias a assobiar para o lado, como se no resto do tempo em que os holofotes da informação não incidem sobre o tema, tudo se passasse de maneira diferente.
Os exemplos são mais que muitos. Reporto-me por isso a alguns dos mais recentes: os partos nas ambulâncias, por alturas em que o governo decidiu fechar serviços de obstetrícia (pareciam proliferar como cogumelos), as mortes causadas pela gripe das aves primeiro, e pela gripe A, depois, pandemias pré-anunciadas com contornos nublosos, fazendo esquecer os milhares que morrem todos os anos de gripe sazonal, e, mais recentemente, os velhos que morrem ao abandono da família e do estado (com letra pequena).
De repente descobrimos, graças às televisões que fizeram caixa de ressonância de uma notícia quase ignorada, vinda a público num jornal diário, que há velhos a morrer sem que ninguém se importe. Quase ninguém, corrijo. E digo “velhos”, porque é disso que se trata. O nosso estado de desenvolvimento civilizacional e o nosso modelo de vida não permitem luxos, não permitem dar tempo e atenção a quem já ultrapassou o prazo de validade produtiva, contributiva e reprodutiva. A pirâmide de idades é implacável e recomenda que as fraldas, os cuidados básicos e os mimos, sejam restringidos, por questões de racionalidade económica e de sustentabilidade, a menores de três anos, tudo por solidariedade geracional. Porque afinal os velhos representam um problema económico sério, caramba. Porque deles, a única coisa que realmente se pode esperar, é darem trabalho e despesa, tempo e dinheiro, o binómio que baliza o nosso anedótico estado social. O mesmo estado que se recusa a arrombar a porta da velha quando a vizinha sinaliza a sua ausência, mas que não tem pejo nem relutância em profanar-lhe o jazigo, para cobrar umas míseras centenas de euros de impostos em dívida. Pudera, a velha não tinha como se deslocar às Finanças. E isto é brutal...
Fica por isso justificado que a nossa sociedade, uma sociedade de tipo ocidental, UE, avançada, moderna, inovadora, cientifica, decrete que a dimensão humana passe a “coisa”, e que um ser humano passe a ter “utilidade”, medida em anos e em estados de saúde, pois, afinal de contas os velhos não têm futuro.
Obliteramos contudo algo de muito, mas mesmo muito importante, geneticamente importante, diria: se os velhos não têm futuro, menos futuro têm as sociedades que não os sabem amar e cuidar. Até porque um dia quase todos o seremos - velhos. E aí chegados, será que suportaremos que nos digam que não temos futuro?

14/02/11

Micro-deuses




Os media, e mais recentemente os blogs e as redes sociais, para o bem e para o mal, são veículos cada vez mais importantes e eficazes na comunicação e na difusão de pensamento, ao serviço de causas maiores e menores, bombardeadas ao ritmo alucinante dos sound bites e dos gigabites, ou mais suavemente das rotativas de quarta à noite.
Não é por isso de estranhar que a democratização no seu acesso, se tenha traduzido numa insubstimável capacidade de fogo, ao alcance tanto de doutrinários como de grueiros de fim-de-semana. Não é por isso de estranhar que aumente exponencialmente a quantidade de imberbes popularuchos, com acentuada vesguíce no olho director, a atirar canhoada sobre elefantes e estorninhos, e o inusitado aumento do consumo de cartuchos de pólvora seca. Púúú...
Mas, se a tudo isto juntarmos a quantidade astronómica de balas perdidas, disparadas sem instinto e sem micron de inteligência, está claro de se ver que tudo não passa de inodora flatulência que, pelos vistos e pelas estatísticas, até é bastante apreciada.
Gostos…


10/02/11

Moção Capilar


Louçã contou as espingardas e concluiu que lhe faltava uma. Olhou para a sua esquerda e, pelo esgar marialva de Jerónimo, percebeu que este a tinha e que se preparava para lhe dar uso. Só havia uma saída - olhou nos olhos o engenheiro Pinto de Sousa, assentou os calcanhares no chão e, comprimindo energicamente as nádegas e os laços abdominais, fez fluir ao pescoço de peru golfadas de sangue. Da boca saiu-lhe, de um jorro, a deixa mortal: “Cara ou coroa, engenheiro? Se for cara, o seu grupo parlamentar tem de dar cinco voltas ao Mosteiro de S. Bento da Saúde, carregando-o a si e mais à sua pandilha, em cima do andor. Se for coroa, chamamos a Servilusa para o carregar daqui p’ra fora. E se ninguém quiser fazer uma vaquinha, nós pagamos sozinhos a corrida para o Alto de S. João!”. “E para quando é isso?” – questionou o engenheiro entre o espantado e o incrédulo, mas espreitando pelo canto do olho para a sua direita, onde os líderes da nova mas mais que provável recauchutada boysband, fazendo-se distraídos, se entretinham a estudar listas de nomes de putativos candidatos a qualquer-coisa, e a limpar a baba que lhes escorria de forma abundante pelos cantos da boca. “Daqui a um mês, depois do Silva assentar arraiais em Belém!” – respondeu Louçã com desprezo. Pinto de Sousa estremeceu.
Subitamente assaltado por pensamentos apocalípticos de mercados irados e esfaimados, insaciáveis, lambuzando-se com bracinhos e perninhas de ministros e de secretários de estado, e bebendo absinto em crânios de deputados do seu grupo parlamentar, Pinto de Sousa matutou de si para si : “Isto não me está a acontecer… e logo agora que eu estava a «colocar dívida» como quem limpa o cú a meninos. Os mercados vão reagir, vão ter um AVC, c’um carago!”.
Os olhos injectados de sangue deixavam perceber que o espanto inicial começava a dar lugar à raiva e à angustia. “Este lagostim de extrema-esquerda não se fica a rir de mim! Ai isso é que não fica!” – pensou. “Vou mandar o Pinho fazer-lhe uns chavelhos e uns piretes, que ele é habilidoso nessas coisas. Só para enxovalhar o gajo!”. A ira estava a toldar-lhe o discernimento e só quando olhou para a sua esquerda em busca do dito, é que se recordou que Pinho há muito que o abandonara, depois de uma bagatela com Bernardino.
De seguida procurou Assis com o olhar, mas o seu chefe de bancada, de expressão triste e cabisbacho, fixava meio envergonhado a barguilha das calças de cotelê, como se procurasse nas imediações do fecho éclair algum conforto para a desfeita que o compagnom de route da campanha alegre, lhe acabara de causar.
Porém, ao lado de Pinto de Sousa, o cenário não era mais animador. Os ministros estavam subitamente a enviar sms’s em simultâneo, pequenas frases, tweets, onde o denominador comum era qualquer coisa como: “vê lá se me arranjas aí um lugarzito na administração”.
Cada vez mais embaraçado Pinto de Sousa reclinou a cabeça para trás, tentando alcançar Gama, procurando no datário da Fajã de Baixo o conforto de um braço amigo que o fizesse emergir.
Gama, apercebendo-se do inusitado embaraço e da carência de afecto que o engenheiro evidenciava, agarrou numa cópia do regimento e, ajeitando os óculos na ponta do nariz tomou a palavra para proferir em tom grave: “Senhor Primeiro-Ministro, senhores membros do Governo, senhores Deputados, face à gravidade da situação anunciada para daqui a um mês, pelo deputado Louçã,  vamos ter de fazer uma pausa retemperadora, de acordo com o 3-A do art…” – mas Gama já não conseguiu acabar a frase, foi interrompido por gritos vindos do meio da bancada do PS onde um deputado de barba à diplomata e estatura acima da média, agitando frenéticamente um pequeno pedaço de papel numa mão e um lápis cor de rosa na outra, berrava eufórico num sotaque vincadamente avieiro: “3-A? 3-A? Um tire num barque de dois canes, Sr. Presidente! Um tire num barque de dois canes!”.

 ...

E o meu problema, sabem qual é? Não estamos nada em fim de ciclo, como alguns nos querem fazer crer. Estamos mas é a chegar a mais um intervalo no jogo das cadeiras. Estamos mas é f……
É o que somos e o país que temos. Tudo ao nível desta croniqueta.


09/02/11

Peanuts?

Ora aí está um tema que me interessa, o Congresso das Exportações, que decorreu ontem em Santa Maria da Feira, e as respectivas conclusões. E interessa-me porquê? Obviamente porque vivo numa terra e num país que dependem dos mercados externos como de pão para a boca. Estou por isso de acordo com os que defendem que esta é a melhor forma para promover o premente crescimento da economia, que teima em não chegar.
Por estranho que pareça, este não é um tema caro nas “tertúlias de opinião e de discussão” cá do burgo, o pessoal entretém-se mais a discutir o decrépito comércio de tradição, as lojas do chinês que florescem ao ritmo a que os coelhos fecundam as fêmeas, a passar atestados de compaixão aos insípidos comerciantes e aos seus estremunhados representantes, a passar atestados de culpa ao poder, aos clientes e ao transito, e coisas do género.
Tenho porém como certo que a nossa economia, actual e futura, mais do que passar pelo mercado indígena, passa sobretudo pela capacidade de conquistar mercados no exterior, sejam eles onde forem. Acrescentar valor e vende-lo para outros países, com a correspondente entrada de pilim, é um imperativo, assim como imperativo é aproveitar essa mesma tarefa produtiva para igualmente fazer diminuir a nossa dependência do exterior, com a consequente diminuição das importações, a outra face da moeda. Até parece fácil.
Sei que não há unguentos milagrosos e que há muito que a Senhora de Fátima não mostra serviço, talvez também padeça de problemas de produtividade tal como a nossa economia, mas tenho como boas todas as iniciativas que levem a que se caminhe na direcção de fomentar as exportações.
Não posso contudo esquecer que as boas intenções não chegam e que são até perniciosas, obstaculizam a mudança. No pressuposto de que da discussão nasce a luz e da ilusão de que algo está a ser feito, vai-se mantendo inalterado o status quo que nos tem afundado, atirando irresponsavelmente para as calendas as reformas que já levam anos de atraso. (Não me refiro às “douradas”, obviamente.)
É por isso necessário que se reflicta, que se oiça, que se tirem conclusões e sobretudo, sobretudo(!!!), consequências. É importante que o poder esteja para tal predisposto e que desligue o descomplicador que teima em deixar no on, a consumir de forma obscena os nossos parcos recursos, para desespero de quem leva estas coisas a sério. Pelo menos até ao dia em que as forças faltem e a descrença tome de vez o lugar da coragem e do inconformismo.
Tomo por isso como provocação final as palavras do ex-presidente Lula – “governar é fazer o óbvio”. Até parece fácil.


08/02/11

A pôr a leitura em dia



Deu dois filhos à menina Guimarães e uma entrevista ao Público. Parece ser caso para dizer que o sujeito, que já não estando propriamente no apogeu do seu vigor juvenil, tem tomates. Parece.
A ver se os consegue manter viçosos e florejantes até meados de Abril, altura em que terá uma banca de dimensões consideráveis, com visibilidade, para expor a suposta exuberância escarlate dos ditos cujos. Isso é que era de homem!


02/02/11

Wikileaks



Entre dois gargarejos sulfurosos, mais uma revelação mediúnica do famoso site de apanhados do Sr. Assange.

A chancelaria da República Islâmica do Irão em Lisboa, sempre atenta aos mais insignificantes detalhes, terá reportado a Teerão a “falta de apetite do Sr. Silva para usar a bomba atómica”, informação que terá merecido de imediato a Ahmadinejad, um curto e lacónico comentário: “Maricas!”
O líder iraniano parece assim cada vez mais alinhado com o Sr. Passos, que se perfila como o próximo ayatollah constitucional.

01/02/11

Termalismo Sénior



Baixei a S. Pedro do Sul para os habituais tratamentos termais à maldita rinite alérgica, que me causa incómodo e embaraço, e a outras maleitas do corpo e da alma.
Hoje, como recompensa por tantos anos de maus tratos auto-infligidos, decidi-me por um estimulante duche Vichy e por uma massagem geral, às mãos hábeis e ternas de uma jovem relaxoterapeuta em início de carreira, mas com bastante escola. Fui às estrelas!... E quando voltei encontrei tudo na mesma: o desemprego nos dois dígitos, os mercados a afiarem o dente, o FMI a comandar as tropas à distância e o pagode a discutir minudências, merdices mesmo.
C’uma porra, por mais inalações que faça ou esfregadelas que leve, as palavras azedas e inconciliáveis no rescaldo da vitória não dão tréguas e voltam a matraquear-me a mona como um vergalho aboleimado – “É uma vitória da verdade sobre a calúnia. (…) Esta é a noite da vitória da dignidade.” – À barca, à barca, senhores. Quem vem lá? - "É o imaculado Sr. Silva, meu anjo." - T'ás-me  a dar graxa ou é a veres se reajo? Queres vingança, é? Apanhar os  mandantes da campanha negra? E trazes gravador escondido como o Sá Fernandes?
Acho que, p’ra esquecer as mágoas e a dormência, vou até ao Rochedo, aqui ao lado, na aldeia do Fujaco, entregar-me de corpo e alma a um bom naco de vitela à Lafões, abundantemente regado por um supremo e divino Quinta dos Carvalhais. Dos deuses…

De São Pedro do Sul para o Conto do Vigário, este vosso serviçal.