24/05/13

Caderno de Encargos II - H2O

 
Se eu fosse erudito começaria por invocar Sócrates* – só sei que nada sei. Mas como sou apenas atrevido, invoco Anibal Silva** - raramente me engano e nunca tenho dúvidas. Isto sou eu a reinar, claro está.
O assunto é sério e delicado, mas para mim está e estará na ordem dia, no que respeita às prioridades imediatas e de sustentabilidade a médio/longo prazo – a água.
A questão da água será para mim central nas próximas eleições autárquicas, ficando assim excluídos da minha opção de voto quaisquer partidos ou movimentos que não tenham sobre o tema uma posição clara e inequívoca, uma estratégia com pés e cabeça e a não considerem como uma prioridade.
Felizmente que até hoje, salvo casos pontuais, a sede do concelho não tem tido grandes problemas, quer quanto à qualidade, quer quanto ao abastecimento. Porém, se nada for feito corremos o sério risco de arranjar uma carga de trabalhos.
Por uma questão de princípio sou contra a privatização dos sistemas de abastecimento de água e da sua gestão. A absoluta importância deste elemento para a nossa existência e qualidade de vida, a sua escassez em termos de qualidade e de quantidade, a necessidade imperiosa do seu controlo e gestão, quer em termos qualitativos quer em termos quantitativos, são para mim motivos mais do que suficientes para considerar que a sua tutela deverá manter-se na esfera pública, com o que tudo isso implica de vantajoso (naturalmente exigindo-se da gestão da coisa pública critérios de rigor, racionalidade e parcimónia que, por definição, lhe deverão estar subjacentes). A água, enquanto elemento básico de sobrevivência, nunca poderá ser tratada como uma qualquer mercadoria, não podendo a sua gestão subordinar-se unicamente aos princípios do mercado cuja “livre concorrência” bem conhecemos de outras andanças (GALP, EDP, etc).
Feita esta declaração de princípios, reconheço que a resolução do problema não é fácil, sobretudo porque um sistema de abastecimento adequado às necessidades actuais e futuras de todo o concelho, racional e sustentável, implica grandes investimentos e dinheiro é coisa que também não abunda. Daí que me pareça que o assunto deva ser tratado com pinças, mas também com determinação, seriedade e criatividade.
É claro que o recurso ao fornecimento via Águas de Portugal poderá ser uma solução a encarar, se bem que na minha opinião de leigo poderá representar num futuro próximo a dependência em relação ao sector privado (não é preciso ser bruxo para adivinhar que o mais certo é a privatização a breve prazo daquela empresa pública). Por outro lado, sabendo-se como se sabe que o concelho dispõe de importantes reservas subterrâneas, seria um desperdício não rentabilizar a favor de todos, um recurso natural estratégico de que dispomos, ao contrário de outros que não têm sequer essa opção à partida.
Gostaria contudo de saber muito mais sobre a matéria e de conhecer todas as soluções técnicas disponíveis, incluindo as de natureza financeira, que permitiriam a concretização dos investimentos necessários para encarar-mos o futuro com confiança, já que quanto à decisão política, em primeira instância, é minha, através do meu voto. E disso não abdico!
 
 
* filosofo grego do séc. IV AC (não confundir com o bolseiro de Paris e delegado de propaganda médica, nosso contemporâneo).
** ficou conhecido por ter sido o primeiro homem a ter feito uma orquiectomia preventiva (remoção cirúrgica dos tintins), de forma a justificar a falta de coragem política (chamemos-lhe assim). Face à idade avançada o caso teve pouco impacto mediático, quando comparado com outros casos em que a cirurgia preventiva resultou de efectivos actos de coragem.

14 comentários:

  1. A. Constânciomaio 24, 2013

    Aqui está mais uma cláusula do caderno de encargos, em que estamos de acordo.
    Quero destacar que não invocou "Sócrates", mesmo esse de Paris, em vão.
    Hoje a Marinha não tem uma ETA (Estação de Tratamento de Água), porque a personagem, enquanto Ministro do Ambiente, chumbou o projeto integrado do Município da Marinha Grande para garantir a sustentabilidade do sistema, porque nos quiz obrigar a integrar o Sistema Multimunicipal do Baixo Mondego.
    Isso significaria abrir mão de todo o nosso património construido, que passaria a integrar o Baixo Mondego, sendo ainda obrigados a mobilizar recursos financeiros para a formação do Capital Social da nova empresa que, na minha opinião, só se manterá na esfera pública até todos os investimentos estiverem concluídos, passando depois, quando houver só bife do lombo, para a posse dos grandes grupos privados, de capitais multinacionais, que operam no setor.
    A Marinha seria, na rede de Coimbra para Sul, o último concelho a ser abastecido.
    Aqui, Sócrates "O Obstinado", não ganhou.
    Ainda não se construiu a ETA nos Picotes, nem o segundo depósito apoiado de reserva e a duplicação da conduta adutora dos Picotes para a Marinha, segundo penso, continua a aguardar melhores dias.
    De qualquer forma, tirando os níveis de ferro em excesso em dois furos de grande capacidade que estão inoperacionais, nós temos água em quantidade e qualidade, mais do que suficiente para nos mantermos autónomos e penso até, que nesta matéria, existe grande convergência entre todas as forças políticas.

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  2. Caro Armando,

    percebo da sua explicação que a resolução do problema passaria fundamentalmente pelo investimento numa ETA nos Picotes, num segundo depósito apoiado de reserva e na duplicação da conduta adutora dos Picotes para a Marinha. Daquilo que é a sua sensibilidade (e conhecimento) acha que seria possível, ou por outra, será que a autarquia tem capacidade para fazer esse investimento? E já agora, outra pergunta de leigo: seria possível a autarquia vender excedente de água a outras autarquias de forma a financiar a exploração e manutenção da rede?
    Há ainda outra coisa que não referi e que me deixa surpreendido (a ser verdade). Há algum tempo ouvi dizer que o desperdício de água no município atingia taxas brutais. Refiro-me não só aos desperdícios relativos à água que se perde efectivamente, mas também à diferença entre a água tratada e facturada. Será assim?
    Se me puder esclarecer fico-lhe grato.

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  3. A. Constânciomaio 25, 2013

    Caro Relaxoterapeuta

    Há já alguns anos que estou afastado da gestão da coisa pública, mas continuo a ser um cidadão atento à realidade que me rodeia.
    Do que julgo saber, a Autarquia Marinhense continua a ter uma situação económico-financeira equilibrada, ocupando um lugar de destaque no conjunto das Câmaras. Diria que a Fitch nos poderia atribuir um AAA+.
    Esta introdução serve para responder à sua primeira dúvida.
    Não se tratará seguramente de um problema de financiamento, mas antes da definição de uma hierarquia nas prioridades do investimento público.
    Para mim, até porque o setor da água tem retorno económico e está em causa assegurar às populações um bem que é vital para a vida, não hesitaria em colocar este investimento no topo das prioridades.
    Quanto à possibilidade de poder vender os n/ excedentes de água aos municípios vizinhos, em termos meramente teóricos, é possível. O problema coloca-se ao nível dos investimentos que seria necessário levar a cabo, para construir as condutas adutoras de transporte da água até às redes que se pretendem ligar. Por outro lado, tanto quanto sei, Leiria está integrada no Sistema de Abastecimento do Baixo Mondego.
    Quanto às perdas, que podemos calcular medindo a diferença entre a quantidade de água tratada que é injetada na rede e o volume de água faturada, os valores apurados são realmente elevados, mas atenção, este não é um problema do nosso sistema, ele é transversal a quase todas as Câmaras, com tendência para se agravar, à medida que a rede de distribuição vai ficando mais velha, gerando perdas invisíveis através de micro roturas e também de roturas de elevados caudais.
    A estas perdas há que somar a água que se consome na rega dos jardins e das ligações clandestinas.
    De qualquer forma, é hoje tecnologicamente possível montar sistemas de monitorização dos consumos por setores ou por zonas territoriais, controlados informaticamente e que permitem detetar desvios anormais de consumo.
    Porque a água é um recurso escasso, podem e devem ser tomadas medidas para promover o uso deste bem de forma eficiente, promovendo ações de sensibilização junto das populações, particularmente nas escolas e recorrer às mais avançadas técnicas, desenvolvidas, por exemplo pelos israelitas, que tendo pouca água não desperdiçam uma gota, nem põem os sistemas de rega a regar em horas de grande exposição ao sol, ou com os aspersores a regar as estradas.

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  4. Caro Armando,

    agradeço-lhe a clareza das respostas.
    Concluo assim, tal como já suspeitava, que o problema é sobretudo de estratégia e de definição clara de prioridades. Trata-se portante uma questão de natureza política (lato sensus), e eram questões destas natureza que eu gostaria de ver discutidas pelos diversos projectos políticos que irão a sufrágio.

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  5. Contraditóriomaio 28, 2013

    Passei por aqui e achei a discussão interessante. Porém permitam-me que discorde de algumas coisas.
    Não é liquido que as reservas de água dos lençóis freáticos sejam em grande quantidade ou permitam assegurar com tranquilidade os abastecimentos futuros. Aliás, todas as directivas internacionais vão no sentido de se pouparem as reservas freáticas e de se fazerem captações de águas de superfície. Assim sendo, mais cedo ou mais tarde o nosso Concelho, tal como já faz Leiria em relação ao Pedrógão por exemplo, vai ter de recorrer a sistemas multimunicipais de abastecimento. Até porque o Concelho já tem um problema muito complicado que é o abastecimento da Vieira, onde têm sido enterrados centenas de milhares de euros para elevados investimentos em perfurações, para nada. Recordo também que o nosso Concelho não tem locais para captação de águas de superfície, pois o único curso de água existente é o Liz, mas numa zona de foz, com todos os problemas relativos às descargas das suiniculturas.
    Assim sendo não há necessidade de investir numa ETA, salvo melhor opinião. Também me parece que a privatização, desde que devidamente regulada, possa trazer problemas complicados.

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  6. Confesso-me leigo nesta questão e peço desculpa por trazer eventualmente algum desfoque e até utopia ao assunto. Parece-me ter alguma lógica o que diz o contraditório quanto à utilização preferencial das águas de superfície.
    O problema, porém é mais vasto e deveria começar a ser resolvido pela atitude corajosa de afrontar os interesses enquistados forçando a despoluição do Lis e dos afluentes de uma vez por todas, armazenando depois reservas de água. Essas reservas nem por isso necessitariam de ser privatizadas, a menos que tivessem que se situar no Concelho de Leiria, mas mesmo assim poderia encontrar-se solução. Leiria também construiu a ETAR Norte no limite poente do seu Concelho, na Galeota, mesmo na fronteira com a Marinha Grande, mas continuam a ser autorizadas descargas de efluentes e lamas das suiniculturas nas terras da lezíria.
    É preciso pensarmos hoje que soluções e recursos legaremos às próximas gerações.
    Porque não recuperar o nosso território do ponto de vista ambiental de forma exemplar, protegendo os recursos hídricos e naturais e com isso obter condições para outro tipo de actividades a par com o desenvolvimento turístico, para o qual parece termos uma região privilegiada?

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  7. A. Constânciomaio 28, 2013

    Caro Contraditório
    Permita-me que contradite a sua dúvida sobre a quantidade e qualidade de água disponível na nossa zona geográfica. Se se der ao trabalho de pesquisar os estudos publicados sobre os lençóis freáticos da zona litoral da Mata do Urso até ao Pinhal de Leiria, irá verificar que estão asseguradas, por muitas décadas as necessidades de água do Concelho.
    Sendo certo que os recursos são finitos, também é verdade que o território de que falamos se situa em zona de pinhal com terrenos arenosos e muito permeáveis, com uma enorme capacidade de retenção e infiltração das águas da chuva, que, em parte, recarregam o sistema. Também concordo consigo quando diz que a captação de águas superficiais é mais sustentável, porque são caudais imensos que se perderão no Oceano e foi por isso que a Câmara da Marinha, na época,
    se manifestou disponível para aderir ao Sistema do Baixo Mondego, mas só após possuir indicações seguras de que as reservas dos aquíferos agora disponíveis estariam em risco.
    Quanto à privatização da água, lamento muito, mas para mim é um debate em que me recuso a participar. O capitalismo regulado, quando se trata da posse e exploração de recursos vitais, é uma ficção, como se demonstra com o que está a acontecer com os combustíveis, com a eletricidade, com as comunicações, etc.

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  8. Caros,

    agradeço o contributo de todos, sobretudo por que eles traduzem diferentes abordagens deste assunto.
    Considero que a ligação que o Vento Norte fez da requalificação do Liz na duas vertentes (captação de água e turismo) são extremamente felizes e desejáveis, apenas sendo útopia para quem não tem uma estratégia clara quanto ao futuro, e capacidade para se bater por ela.
    Já quanto à questão da privatização acompanho o A. Constâncio (dixit).

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  9. Como simpatizante do PSD e agora muito próximo do +Concelho,felicito os intervenientes pela elevação e conteúdo da discussão, lamentando que pessoas que muito respeito e admiro, como o Dr. Santos ou o Engº Logrado, prefiram responder a injúrias e calúnias vomitadas por anónimos cobardes, do que em participar neste tipo de troca de opiniões.
    Quanto ao assunto propriamente dito, concordo que a questão é pertinente embora ainda não tenha formado uma opinião definitiva, pois não percebo muito do assunto. Enquanto consumidor tenho sobretudo a preocupação de que a água não falte e seja de qualidade. Quantos às soluções técnicas a adoptar, tenho mais dificuldade, embora "saia" daqui mais esclarecido do que quando "entrei".
    Bem hajam.

    G.R.

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  10. É só conversa para encher chouriços e para relaxar...

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  11. A. Constânciomaio 29, 2013

    Para além das diversas abordagens que já se fizeram deste tema, a verdade é que a exploração da água na esfera pública, permitirá sempre a adoção de medidas de apoio social aos mais desfavorecidos, nomeadamente através da aplicação de tarifas diferenciadas.
    Também muito importante é constatar a tendência irreversível para a diminuição de fluxos financeiros do Orçamento do Estado para as Autarquias, o que vai obrigar os autarcas a descobrir formas de auto financiarem as suas atividades.
    O setor da água, se bem gerido, gera excedentes financeiros que podem ser reinvestidos na modernização do sistema e noutros investimentos considerados prioritário.
    Privatizar o que dá lucro não encaixa no meu conceito de defesa intransigente daquilo que é o interesse público.

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  12. Também sempre estive em desacordo com as privatizações dos bens de domínio público, principalmente os recursos naturais, como é a água. Agradeço os argumentos aqui aportados, que enriquecem a fundamentação dessa minha posição.
    Chamo no entanto a atenção para factores importantes como sejam as limitações dos recursos. O estudo dos inventários aquíferos aqui referidos pelo Sr. A. Constâncio no que se refere às disponibilidades dos lençóis freáticos na Mata do Urso e Pinhal de Leiria, poderão não traduzir já hoje a mesma realidade. Na verdade, durante muitos anos, décadas, a indústria da celulose na zona da Leirosa, para satisfação da barbaridade das necessidades do seu consumo, tratou de fazer inúmeras captações nessa mesma zona, que muitos apontam ser a causa do enfraquecimento dos lençóis. Há até quem sustente, não sei com que credibilidade, que esse fenómeno está visível na diminuição que no mesmo período se registou na quantidade de água armazenada da Lagoa da Ervideira.
    Esta é uma situação que hoje já está minorada, sendo a indústria da celulose preferencialmente abastecida pelo canal de rega do Mondego, a partir de Montemor-o-Velho, mas que poderá ter causado danos irreversíveis, já sem falar na poluição que a utilização e a descarga dessa água no mar tem provocado à nossa costa, nomeadamente nas praias a sul, Pedrógão, Vieira, S.Pedro, etc.
    O Lis, apresenta problemas sazonais de fracos caudais, passíveis de correcção não fora a catástrofe das actividades desordenadas das suiniculturas e das rações para não evocar outras, tem ainda o problema da forte utilização de fertilizantes e pesticidas na actividade agrícola. Nada que não possa ser corrigido com educação e responsabilização, mas vai demorar muito tempo para mudar estas mentalidades. Porém, em total acordo com o Relaxoterapeuta, transcrevo algo que é bem vindo de Espanha, que é a expressão “O caminho faz-se caminhando”.

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  13. Por distracção e não só, li o post inicial e não voltei.
    Esta aqui um exemplo do que um blog virado para a discussão séria pode fazer. Pena que outros prefiram chafurdar apenas na lama que vão provocando.
    Obrigado caro Relaxoterapeuta.
    Rodrigo

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