A procissão
está no adro e desfila já a bom ritmo as novidades da próxima colecção primavera-verão-outono,
exibindo em corpos Danone XXL, faustosas e berrantes casulas, luxuosas estolas
e desproporcionadas mitras. Medalhas e comendas luzem.
A encabeçar
o cortejo, montado no seu jerico de euro e pouco por semana, vai o flibusteiro
da Trombeta do Demónio, um asnil descendente de Palma Cavalito em versão net –
que os tempos são de vertigem comunicacional e os bufos bombam novidades a cada
segundo - acolitado de perto por uma
rara ave de arribação, muito engraçada e folgazona, que em tempos já foi “de quase tudo” e
que agora, assentada a poeira, abraçou as letras e a sofisticada arte do desmanche de carcaças de
novilho e de cavalo.
A cada
passo e meio lançam um foguete, a maioria de pólvora seca, recolhendo de
seguida as canas para fazerem armadilhas. De quando em quando lançam nuvens de
fumo e confetes, sorrindo soberba e distribuindo beijinhos de chocolate de culinária. Estão felizes e sentem-se aconchegados com
a atenção que lhes dispensam.
Mais
atrás os homens-bons vão-se perfilando, acotovelando, disputando a sombra do
pálio, um lugar na fila da frente do consistório e a generosidade do povo que os
aplaude sem entender o que se passa. O povo é assim, é generoso por natureza e
não gosta de arriscar – mais vale um borracho na frigideira que dois papa-figos
empoleirados na antena da televisão.
A festa
promete fados e guitarradas, folclore e sevilhanas, banda filarmónica e quermesse,
comes-e-bebes e benzeduras. Quanto ao resto, à árdua tarefa de fazer renascer o
orgulho ferido de uma paróquia sem rumo certo e sem futuro pensado, talvez lá
mais para as férias grandes, quando o povo estiver ainda mais distraído a comer
tremoços e a beber minis nas Pedras Negras, pois o que interessa agora é quem
vai ser o prior, o sacristão, o mordomo e o anjinho. Interessa definir com o rigor
gasparino quem vai levar a bandeira, quem vai pedir esmola, tocar o sino,
beijar as criancinhas e subir ao púlpito para nos maçar de tédio. O burro do presépio há muito que foi mandatado e o seu lugar não é discutível. Pena que não se enxergue, já que o pio Bento não o proscreveu tal como fez com a Cornélia.
Este
filme já o vi vezes sem conta e o final não é feliz, invariavelmente traduz-se não em quem ganha mas sim
em quem perde. Não se trata de mérito mas de falta dele. Por inércia, por
inépcia, por falta de senso, por não se saber ver para além do umbigo untuoso e
cheio de cotão. Manter as capelinhas é a maior das necessidades da alma e do
corpo.
Mas eu
cá por mim não vou dar abébias, não vou ser indulgente, vou fazer um caderno de
encargos e dar a conhecer ponto-por-ponto o que me fará ter fé e acreditar num
futuro melhor. Pois se me acusam de não ser exigente com aqueles em quem
confiei, não será desta por falta de aviso. De hoje em diante vou-me dedicar a
estabelecer os critérios que me farão decidir e vou dá-los a conhecer
publicamente. Aqui! Não em retiros manhosos ou encontros à socapa. Aqui! À vista
de todos! Aqui! Onde quem quiser pode entrar e partilhar. E depois sim, podemos
ir aos Necas ou ao Fabioca mamar umas imperiais e chupar uns caracóis.