Em resultado do meu feitio pouco ortodoxo, utilizando um disfemismo diria que, vejo-me sempre grego para respeitar um dos mais famosos cânones mofosos que a sonsice democrática apregoa no recobro pós-eleitoral, o afamado “estado de graça”. A ideia é a de olharmos para os líderes recém-eleitos com a mesma benevolência e o mesmo enlevo com que se olha para uma criança que dá os primeiros passos, ou que descobre os encantos de um novo brinquedo. Não consigo, é superior a mim, mesmo tendo em conta a actual situação. Não consigo desperdiçar o benefício da dúvida, que concedo por princípio a quem defende de forma inteligente e coerente ideias que não perfilho, quando vejo que se começa pelo mesmo lado de sempre – o da receita: 200 gramas de poeira para os olhos, uns raminhos de salsa nos ouvidos, dois ovos pelo cú acima, uma colher de óleo de fígado de bacalhau para acalmar a tosse, e passa para cá o-equivalente-a-metade-do-subsídio-de-Natal-acima-do-salário-mínimo-nacional, tudo na módica quantia de 800M de €uritos, que o Estado está para ter um fanico pós-socrático, que o Estado está que nem pode. Mais nada!
Atente-se porém no preciosismo da ilusão: o-equivalente-a-metade-do-subsídio-de-Natal-acima-do-salário-mínimo-nacional. “Ouve lá pá, mas para que queres tu receber dois ordenados num só mês, meu cabrão? Queres continuar a viver acima das tuas possibilidades, é isso? Queres continuar a comer bem, a vestir-te de marca, a besuntar-te com perfumes caros, a comprar electrodomésticos, telemóveis, carros em segunda-mão importados da Alemanha, a viajar para a República Dominicana, para Varadero, para descansares com os tomates de molho em praias tropicais, enquanto o Estado se afadiga a pagar-te a saúde, a educação, os transportes, a televisão, não é? Julgas que o Estado é de graça, é? Pois estás muito enganado, tótó! À conta das tuas loucuras, de viveres acima do que podes (que o gajo do banco bem te avisou quando te concedeu o décimo empréstimo!…), é que isto está como está! E agora? E agora, diz-me?!
Agora o Estado tem gorduras, está obeso, bojudo, untuoso, hipertenso, e precisa de ti. Por uma vez precisa do teu esforço, precisa que lhe pagues uma lipoaspiração e um peeling, porque anda a sair com uns gajos da troika que não lhe gostam da silhueta – “se não emagreceres não te saltamos para cima!” – não se cansam de repetir.
E afinal era tudo tão simples. Ou não. Bastava que da mesma forma, com a mesma solicitude e com o mesmo rigor com que o Sr. Eduardo e o jovem Pedro fizeram os cálculos da nova colecta, tivessem eles olhado por segundos para a outra face da moeda e nos tivessem dito: “sócio, sócio, isto agora vai mudar! Vamos acabar com a mordomia x, com o desperdício y, com o desvio z. E sabem quanto é que o Estado vai poupar com isso? Está quantificado: 800M de €uritos. É verdade, 800M de €uritos que não vamos ter de vos sacrificar, porque estamos aqui concentradíssimos a fazer a administração rigorosa e parcimoniosa da coisa pública. Ah pois é!”
Era bonito, não era? Era...