O
jantar da véspera tinha-se prolongado noite adentro. Levantei-me com a cabeça a
latejar e a boca a saber a papel. O esófago ainda ardia do álcool ingerido, muito
para além do recomendável. Dirigi-me ao lava-louça, servi-me dum copo de água e
sentei-me à mesa. Em cima da toalha, tingida de nódoas de molho, de vinho e de
excessos, permanecia uma pilha desordenada de louça suja, garrafas vazias e
migalhas. Por entre as migalhas duas ou três formigas transportavam
despreocupadas, alimento. Levantei a mão e com uma palmada certeira esmaguei-as
– não tardaria que as três exploradoras se transformassem num carreiro de
laboriosas recolectoras de desperdícios, justifiquei.
Fixei
o olhos no vazio da cozinha e dei-me conta da tragédia humana. Uma lágrima
grossa rolou inadvertidamente do olho esquerdo, o mais preguiçoso. Não somos
nada, não valemos nada. Ainda há pouco três formigas passeavam por entre as
migalhas, indiferentes à sua vulnerabilidade. A vida é um estado transitório e
a morte é a outra face da moeda cujo valor não se afere, apenas se sente. E
basta um momento, uma fracção de segundo, um frame. Fatal. E depois? Depois vem
alguém sacudir as migalhas da toalha e lamentar os desperdícios. O amor
permanece mas a ausência física é uma dor quase impossível de suportar. “Que
grande porra!”
Dirigi-me
de novo ao lava-louça, despejei a água que ainda enchia meio copo, abri uma
garrafa de vinho e voltei a fazer o que tínhamos feito na véspera, vezes sem conta,
brindei a todos os meus amigos, aos que estão e aos que gostariam de ainda
estar. Ergui o copo e rememorei todos os momentos, um por um – “A vida é bela!
À vossa…”
Caro Relaxoterapeuta
ResponderEliminarJá passaram uns anitos que em termos da "bloga" leio os seus textos, voltando muita vez atrás para ver as entrelinhas. Já ri até à gargalhada, já chorei como foi o cado de hoje. "A vida é bela".
Abraço
Rodrigo
Rodrigo,
ResponderEliminaro ano que agora finda, sobretudo o seu início e o seu fim, foram para mim bastantes dolorosos.
A perda de alguns amigos e a saúde de outros tem-me levado a reflectir sobre o modo e o tempo. É tudo demasiado rápido e fugaz para caprichos e para egos inflamados. A nossa condição de viajantes não se compadece com discussões estéreis e com afirmações de soberba. E porque estamos na "bloga" (como gosta de lhe chamar), evoco apenas um amigo que tanta falta nos faz e cuja vida ilustra o que de melhor podemos encontrar na humanidade da nossa própria natureza - Fernando Pedro.
Foi também a ele que brindei.
Um abraço para si e para todos os seus.
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