31/08/11

Benchmarking – “Dar de Volta” - o exemplo dos manuais escolares


Apresentada inicialmente pelo dr. Feteira Pedrosa como um dos afrodisíacos para promover o aumento da natalidade, ainda bem antes da campanha eleitoral, a oferta de manuais escolares pela nossa autarquia a todas as crianças do primeiro ciclo, em resultado de uma promessa eleitoral (sublinhe-se!), volta a acontecer em 2011, embora enquadrada como medida de apoio social.
Seja como afrodisíaco ou como apoio social, o que nasceu torto provavelmente torto ficará, em resultado da falta de… bom senso. (Estive tentado a dizer “falta de… «sensibilidade cognitiva»”, mas contive-me a tempo.)
Se o argumento é o do cumprimento de uma promessa eleitoral, não cola. Há tantas promessas boas que ficam por cumprir que, deixar para as calendas uma de alcance duvidoso, talvez nem fosse má ideia, antes uma evolução para um outro estádio de desenvolvimento da moleirinha dos nossos decisores – a utilização racional dos recursos que, como é sabido e apregoado à saciedade, são escassos.
O que está uma vez mais em causa (em minha opinião), é a estratégia e a relação custo benefício, e não é preciso ser muito inteligente para perceber que a medida é avulsa e que a dita relação não parece pender para o lado que mais convinha - a do benefício. Nem sequer vou perder tempo a discutir o critério francamente imoral de tratar de forma igual famílias com rendimentos desiguais, tendo como consequência validar o princípio (errado) de que os filhos dos riscos andam todos nas escolas e colégios particulares que existem no concelho (os únicos que não beneficiam da medida).
Embora este fosse um bom ponto de partida para a discussão, já que se trata de uma medida de apoio social, que considero de descriminação negativa, nem sequer vou por aí. Apenas recordo que a simples devolução dos manuais não parece ter sido considerada, com todas as vantagens daí decorrente, quer em termos de poupança, quer em termos ambientais. Esta seria também uma forma de responsabilizar as famílias beneficiárias em relação ao esforço colectivo decorrente da atribuição desses manuais. Mas não. Em vez de se promoverem princípios de solidariedade social, espalha-se dinheiro sem critério, e isso tem um nome: d-e-s-p-e-r-d-í-c-i-o!
Talvez este seja um bom exemplo de como deveriam proceder lideres com debilidades interpretativas da realidade (actual e futura), terem a humildade de procurar nos bons exemplos o modelo para aquilo que não conseguem desenhar nem com rigor, nem tão pouco como esboço - um modelo coerente de desenvolvimento estratégico.
É por isso que peço encarecidamente a quem por aqui passe, o favor de disponibilizar este número de telefone ao dr. Marques Pereira (210 976 100). Pode ser que ele fique tentado a ligar.


26/08/11

Pensamento do Dia



Nunca me poderia sentir desiludido com o que vejo, quando à partida não tinha quaisquer expectativas na inconsequente liderança. O voluntarismo e o amadorismo são a nota dominante, não se encontrando um fio condutor de qualquer estratégia coerente. E isso é muito mau, porque tempo perdido jamais será recuperado. Infelizmente não me equivoquei. "Vocês sabem do que é que eu estou a falar"…


25/08/11

Contributo para a Redução do Défice


Quando há dois dias atrás ouvi o secretário Moedas espremer a sua pálida mas esforçada capacidade argumentativa, explicando o grande esforço do governo para conter o défice, o desvio colossal entre os pontos B e C de dois segmentos de recta com um ângulo de aproximadamente qualquer-coisa-muito-grande*, e outras bojardas de igual quilate, senti-me tocado por uma espécie de luz divina que me soprava com voz abafada de trovão: “Dá o teu contributo para reduzir o défice! Dá o teu contributo para reduzir o défice!”. E mais tocado fiquei quando o dito senhor Moedas explicou que o governo estava a tomar medidas ao mesmo ritmo que eu tomo a porra dos comprimidos para a tensão arterial - e que gostaria também que a outra tensão se revelasse em todo o seu esplendor às companheiras de fruição – uma por dia! Nem mais.
Como não podia ficar indiferente a tanto toque, reflecti e disse cá para os meus botões – “Relaxoterapeuta, como cidadão responsável que queres ser, contribui lá com alguma ideia generosa, que essa coisa de só criticar, não é nada!” - ao que os meus botões responderam com rudeza e com incontida irritação: “Não te chega a talhada no subsídio de Natal e mais o resto?”. Sacaninhas dos meus botões, sempre a desconversar, sempre a desconversar, irra!!!
Meditei, meditei, e meditei, e, descobri: se entregarmos o Kadhafi à oposição Líbia, embolsamos um milhão e picos, o que já é uma boa maquia para aliviar o défice e para evitar que até ao fim do ano o governo passe a tributar as gajas que usam fio dental e botas de cano alto no pino do verão. Ora aqui está uma boa ideia. E vocês perguntam: “e isso não tem custos?”. É óbvio que não! Com a quantidade de perdigueiros que têm entrado para os ministérios, descobrir Kadhafi (ou o que resta dele) em Tripoli (ou o que resta dela), é mais fácil do que descobrir um polícia (ou o que resta dele) na Cova da Moura. É que quando toca a graveto, esta bicharada tem um faro muito apurado...

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* deve ser lido com sotaque vincadamente madeirense

24/08/11

Pensamento do Dia




Nos EUA e em França, alguns milionários pedem ao Estado para pagarem mais impostos.
Em Portugal o Estado pede aos milionários para não pagarem mais impostos, mas é implacável quanto ao essencial – é expressamente proibido o uso de gravatas!
Ser milionário em Portugal, não é fácil... 

18/08/11

Lipossolúvel


Ainda o genérico não terminara e já a plateia de figurantes contratados dava urros e agitava cartazes, incentivada por um frenético e diligente assistente de produção baixote, de sorriso largo e apelido Relvas.
O ambiente estava ao rubro, a expectativa era grande e a onda orgásmica que se abateu sobre o pequeno auditório quando Júlia Pinheiro deu entrada em palco, embora previsível, superou todas as expectativas. “Bem-vindos ao PESO PESADO, o programa que ganha quem perde!” – gritou Júlia a plenos pulmões, ultrapassando de forma grosseira o limite de decibéis suportáveis ao ouvido humano. A plateia não se fez rogada e grunhiu empenhada a fórmula estafada: “Assim, se vê, a força da TV! Assim, se vê, a força da TV!”.
Júlia, experiente mulher da comunicação, com uma noção muito clara dos tempos televisivos, à revelia do baixote e sorridente assistente que insistia em manter a plateia a barrir, colocou um pouco de ordem na sala com dois esganiçados e calmantes “Obrigada! Obrigada!”, e lá continuou a função de forma segura e timbre afiado - “Bem-vindos ao PESO PESADO, um programa onde a coragem e a determinação, são a chave do sucesso para perder gorduras obscenas! E vamos já chamar os concorrentes!”. O assistente deu a deixa e a plateia respondeu pronta com palminhas. “Vem de Pernes, chama-se Pedro Estorninho e pesa 183 quilos. Peço uma salva de palmas para este pequeno cachalote que quer emagrecer em directo!” – gritou Júlia, na expectativa de que a sua voz fosse escutada em Freixo de Espada à Cinta.
Um a um lá foram entrando ofegantes, quilos e quilos de tecido adiposo, à medida que a plateia, em crescendo, parecia aguardar já com evidente impaciência o concorrente mais famoso, o tal que se fizera anunciar meses antes, jurando a pés juntos uma colossal cura de emagrecimento.
O momento estava próximo e Júlia sentia-o. Tossicou duas vezes, esticando as cordas vocais, e deu início ao clímax do programa, ir-se-ia certamente fazer história – “E agora, senhoras e senhores contribuintes, é com grande prazer que chamo a este palco o último concorrente, uma salva de palmas para o Estadooooo!!!”. A plateia levantou-se de imediato e agitando-se freneticamente, irrompeu numa histeria colectiva que contagiou a própria Júlia, a qual, já liberta dos sapatos de salto, acrescentava pulos de canguru aos gritos estridentes.
Porém, em vez de um tipo hiper-obeso, para estupefacção de quase todos e por indicação do assistente de produção, entrou timidamente em palco um individuo de compleição quase tísica e coloração anémica. A plateia mumificou de espanto e o assistente Relvas estendeu-lhe de pronto um microfone. Fez-se silêncio absoluto.
De forma monocórdica e sincopada, o individuo tomou a palavra para se explicar – “Boa noite a todos os contribuintes. Chamo-me Vítor Gaspar, mas podem-me tratar só por Vítor, que é como se deve fazer para poupar. Estou aqui, sem gravata, para poupar no ar condicionado, e para vos anunciar que o Estado ainda não está preparado para perder as gorduras. Mas, fiquem descansados, que estamos a tratar disso. Será prioritário em momento mais oportuno. Aproveito ainda a ocasião para apelar à vossa generosidade, uma vez que não queremos que o nosso rechonchudo passe privações antes de iniciar o tratamento. Por isso, decidimos tomar medidas preventivas, não por serem as mais fáceis mas por terem efeitos imediatos. Assim vamos acomodar o IVA do gás e da electricidade, mas os pobrezinhos podem ficar sossegados porque estamos a elaborar um programa de distribuição de sopinha e pãezinhos com mortadela.”
Júlia estava lívida e a plateia boquiaberta, parecia ter levado um murro no estômago. Um valente sopapo. Contudo, e sem que nada o fizesse prever, ao primeiro sinal do assistente de produção, a plateia contratada, composta por zelosos contribuintes das classes média-baixa, começou a balir de forma inusitada. E assim se manteve por longos minutos. Simplesmente a balir. Vá lá a gente perceber porquê…


13/08/11

(im)Pausa




Recém-chegado do retiro termal que o doutor do nervos me encomendou “por razões meramente profiláticas”, lá para as bandas de S. Pedro do Sul, apenas uma saudação e uma pequena nota para vos dar conta do complemento ao tratamento, uma experiência a que me submeti por vontade própria e sem resmungos, embora num primeiro momento tenha duvidado dos efeitos higiénicos do “suposto placebo”: três semanas sem televisão, jornais, internet e telemóvel. Três semanas de reencontro com o mundo interior, comigo, olhar para dentro e ver os pulmões, o coração o fígado, as entranhas, e perceber que um dia vão parar (pode até ser hoje…). “Será que tenho dado o melhor de mim?“
Às vezes é preciso dar prioridade ao silêncio e questionarmo-nos sobre as nossas próprias prioridades. Pode parecer egoísmo, mas não. Trata-se apenas de uma necessidade básica – é tão fácil criticar os outros, mas tão difícil ter capacidade de auto-crítica.
Para o bem e para o mal, é com indisfarçável saudade que volto sempre à cidade que me viu nascer. Agora com os nervos recauchutados, alguns decilitros de providencial Dão no bucho e com uns quilitos a menos, na carteira. Mas volto sempre, como diria o Zé Mário – “…muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para [escrever] e para o resto”.