15/06/11

"Ideologia, não temos..."

Nado e criado na Marinha, o meu crescimento como homem, e a concomitante formação de personalidade, vieram em grande medida confirmar a regra de que o indivíduo (também) é produto do meio. Não é por isso estranho que, tendo nascido numa terra operária, fervilhante de homens e de mulheres com grande consciência social e de grandes lutadores antifascistas, que desde tenra idade me deliciasse com as pequenas tertúlias de acesa discussão política que por vezes se realizavam em casa dos meus pais, juntando alguns familiares e amigos. E como a ocasião faz o ladrão, até mesmo, ou por maioria de razão, em noites de modesta consoada, se discutia politica na sala, enquanto na cozinha as mulheres tentavam transformar o pouco que havia, num repasto que nos fizesse esquecer as privações.
Já mais tarde, na adolescência, recordo-me de percorrer a mata de bicicleta com o meu tio Zé e o Aurélio, discutindo e vincando abertamente os meus pontos de vistas, insuflado pelas convicções e pelas certezas que julgava ter, mas que não tinha, fruto das borbulhas, dos “pintelhos de leite” e das hormonas em ebulição. O tio Zé ria desbragadamente da minha pueril lenga-lenga de armado aos cucos, e vibrava de entusiasmo com a minha retórica oratória, dirigida aos pinheiros e às pinhocas – “é assim mesmo puto! É assim mesmo!”. Porém, a última palavra era sempre dele. Invocando a sua condição de homem maduro e de sindicalista convicto, aproveitava estes passeios para nos doutrinar, coisa que a minha mãe (sua irmã) nunca apreciou muito.
O tempo passou, a vida foi-nos moldando o carácter, e o carácter a vida, mas uma coisa para mim foi sempre absolutamente clara como a água que jorrava límpida e cristalina da fonte do Tremelgo, bebida em sôfregas golfadas após alguns quilómetros de bicicleta, na companhia do tio Zé e do Aurélio: “a ideologia é o sal da política”. Sem ela tudo se transforma numa amalgama de contradições, muitas vezes apelativas, sem dúvida, mas invariavelmente sem rumo. A política à la carte, destituída de qualquer conteúdo programático-ideológico, descaracteriza o modo de actuação dos partidos transformando-os em “mais um” entre outros, num casulo de possibilistas e de pseudo interessados no bem colectivo. É certo que assim se evita a coerência da prática face ao valor dos princípios, ou valorização da ética em detrimento do populismo saloio. Mas um dia, inevitavelmente todos farão a pergunta sacramental: - “então mas afinal o que é que os distingue?”





4 comentários:

  1. Xuxas à beira de um atque de nervosjunho 15, 2011

    Como eu os compreendo....!!!!!!!!!!!!

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  2. não me fecundem sffjunho 15, 2011

    Há um aspecto ideológico em que a direita laranja e a extrema direita, se juntam. O liberalismo puro e duro, sem condições possíveis para nada mais. Mais nenhuma discussão, mais nenhuma opinião. Como dizia uma Sra. laranja "vamos parar a Democracia uns tempos". Acreditem, ou não, a democracia, vai estagnar uns tempos. Foi isso que ditaram as eleições.
    Os que não votaram, vão continuar a reclamar, de quê... gostava eu de saber.
    A partir de agora vai doer, se achavam que estava mau, vão sentir na pele e na carteira o que é a agenda de direita, começada com Cavaco.
    Como diz um amigo meu "o pessoal gosta é de canga", dêem-lhes canga portanto.

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  3. O não me fecundem tem razão. Na verdade a direitá, apesar de não parecer, tem uma acção muito mais ideológica do que uma certa "esquerda". Refiro-me obviamente ao PS e ao Bloco.

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  4. Caro Relaxoterapeuta
    O seu post de hoje é extremamente oportuno. Ainda hoje me interrogo como foi possível ainda em criança à beira dos fornos a potes na extinta FEIS, pessoas iletradas alguns quase analfabetos, transmitirem-nos conhecimentos que ainda hoje estão válidos. Fez-me recordar o quanto o meu Avô, preso em 18 de Janeiro quase analbeto adquiriu ao longo de 14 Anos (por 2vezes) adquiriu uma razoável cultura política, que com todos os cuidados me foi transmitindo.
    De facto não perceber como chegámos até aqui e para onde queremos ir é duma pobreza ideológica confrangedora.
    Abraço

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