De súbito sentiu o chão fugir-lhe
debaixo dos pés. Nem mesmo no famigerado dia em que Paulinho decidira tornar
irrevogável o primeiro divórcio registado em Portugal entre pessoas do mesmo
sexo, sentira algo semelhante - um frémito que lhe percorria a espinha e lhe entaramelava
a língua, tornando turva a realidade e fazendo-lhe cair sobre os ombros uma responsabilidade
que juraria não ser sua.
Pressentindo o inevitável, suspendeu
a lenga-lenga, revirou os olhos, bufou, vacilou e por fim deixou-se cair suavemente
e em segurança nos braços fortes e peludos do oficial de serviço.
A alguns passos de distância
Pedro não esboçou sequer um reflexo de socorro, demonstrando um auto controlo
digno de registo – era preciso manter a pose e um verdadeiro homem de Estado
não vareja! Ainda olhou de esguelha para o presidente do Constitucional, que ao
seu lado se entretinha a tirar chumbo das unhas, mas este também na reagira.
Na plateia, Nogueira e os sete
anões que o acompanhavam e que desde o início da função não tinham parado
sossegados um minuto, exultava de contentamento, convencido de que as palavras
de ordem que gritavam desde o início se haviam tornado no feitiço que começava
a derrubar o regime. Nogueira sentia-se um autêntico Harry Potter, agora mais
do que nunca, convencido dos seus próprios poderes. Talvez até quando saísse
dali fosse lançar uma macumba sobre o mundial e, num passe de mágica, paralisar
todo o metro de S. Paulo. A ideia pareceu-lhe excelente e exequível.
Coincidência ou não no Brasil os metroviários agitaram-se, confirmando o ditado
- Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay...
Percebendo que o momento era de emergência
o mais alto graduado tomou posse administrativa do micro e, anunciando que
falava na qualidade de guarda-freios, pediu aos sete anões “mais respeito” pela instituição e informou
a populaça que eram horas de “damas ao bufete”. Seguro, sentido que iria de novo
ser apanhado desprevenido, apalpou atrapalhadamente os bolsos do casaco cerzido
com fina seda afegã, na ânsia de encontrar uns trocos para pagar uma gasosa a Costa.
Felizmente haviam sobrado setenta e cinco cêntimos da última campanha para as
europeias. Mas eram os últimos e Seguro sabia da insaciável sede de Costa.
Enquanto isso, em Santarém, entre
um tinto e duas rodelas de paio, Jerónimo, informado do sucedido através de um
velhinho mas seguro “oki-toki” do tempo da guerra-fria, acendia uma velinha a
S. Bento pela saúde do enfezado e pela queda do governo.
Cavaco, já todos percebemos, não
é pressionável nem impressionável, de acordo com as palavras do próprio. Mas a sua
vulnerável condição humana não o livra duns abanões da mãe natureza, sempre sabia
e atenta – “Acorda Cavaco, cumpre com as tuas obrigações e deixa-te de achaques!
Afinal de contas és um homem ou és um rato?”
Após alguns minutos de minuciosa
inspecção por um perito militar em minas e armadilhas, Cavaco voltou mais
fresco e leve do que nunca, ignorando por completo todo o enquadramento - um
povo que sofre e um país que se afunda sem esperança, às mãos de uma corja de incompetentes! Porém, retomando a palavra citou
Camões:
“Vede, Ninfas, que engenhos de
senhores
O vosso Tejo cria valerosos,
Que assim sabem prezar, com tais
favores,
A quem os faz, cantando,
gloriosos!"
Viva Portugal!
Viva!
"Viva Portugal" caramba!
ResponderEliminarGostei!
Abraço
Rodrigo
Se, para voltar a escrever assim, for necessário encomendar uma macumba ao Nogueira, eu trato disso.
ResponderEliminarRepita a dose que eu gosto.