Pedi
(aliás, supliquei) ao Pai Natal inspiração, engenho e arte, para escrever um
conto de Natal que tocasse o coração dos resistentes que ainda visitam incógnitos este antro do Vigário. Mas o ansião dos sonhos recusou satisfazer o meu desejo,
que apenas pretendia retribuir a amizade que devo a esses meus amigos virtuais – “Este ano
portaste-te mal, Relaxoterapeuta!” – proferiu com olhar distante e frio.
- A
soberba tolheu-te a razão e a gula insuflou-te o abdómen! Não apoiaste ninguém
nas autárquicas, mas depois defendeste a governabilidade com uma coligação
entre o PS e a CDU. Escreveste textos arrogantes e imperceptíveis. Foste à FAG
e abusaste da poncha. Ridicularizaste o jornal da cidade e o seu director. Não
deste aumento à Lurdes Rata. Desejaste a mulher do Arlindo. Foste jocoso com o deputado da nação. Zurziste no Cavaco. Gozaste com
o primeiro ministro e com os seus colegas. No fim de semana passado foste ao
Museu do Vidro, à Galeria Municipal e à exposição sobre a Indústria de Moldes, apenas
porque a entrada era grátis. Não escreveste um post sobre a morte de Mandela.
Foste insensível a todos quantos à tua volta desenvolvem projectos sociais de
forma desinteressada. Não disseste uma palavra sobre a legítima aspiração do
Tocandar a terem um espaço digno para levarem por diante o seu meritório
projecto. Enviaste pedidos de amizade no facebook sem te identificares. Ficaste
calado por longos períodos e noutros não conseguiste conter a verborreia e o
atrevimento. Em tudo viste motivo de chacota e de escárnio. Querias agora a recompensa,
era?
Há
momentos em que não nos apetece olhar o espelho com medo de nos vermos.
Sobretudo com o distanciamento dos olhos dos outros. O orgulho porém impeliu-me
a jogar a última cartada:
- O
Pai Natal sabe por acaso que o Conselho de Ministro aprovou hoje o aumento da
idade da reforma e que o meu amigo vai ter de andar a distribuir beijos e
prendas a garotos ranhosos, e a apanhar bosta de rena com vassourinha e pá, até
perfazer a bonita idade do Manoel de Oliveira, e com direito apenas a uma
caneca de café e meia carcaça dura?
Os
olhos do Pai Natal toldaram-se de sangue e revolta. Indignado, procurou no saco
das prendas um pequeno frasco de vidro.
-
Toma filho, faz bom proveito!
Agarrei
no frasco e li o rótulo: “Inspiração
para Crónicas de Escárnio e Maldizer”.