Tentar manter a higiene mental
nos dias que correm, é talvez o maior exercício de cidadania a que nos podiam
sujeitar. Por isso tenho tentado condicionar os impulsos de repulsa e de nojo
que me têm revirado as entranhas. Verbalizar, ou neste caso, escrever o que me
vai nos neurónios por estes dias, seria, para além de tarefa inglória, um
desaconselhável exercício de esquizofrenia e de incapacidade de utilização de
linguagem pejorativa severa. Expressões como #%&$£? #$
&§@% ou mesmo &
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%&@£, seriam brandas e até eventualmente elogiosas para certos
finórios encastados.
A crise, transversal e patológica,
não é económica, nem política, nem de valores, nem de confiança, nem endémica.
É isso tudo e muito mais. É uma espécie de ácido incolor e inodoro que vai
corroendo de forma permanente e eficaz tudo e todos – pessoas, instituições,
estados, nações.
A espiral de terror e de espanto
deslocalizou-se do grande ecrã para o cenário real, em que todos participamos
como actores e como figurantes. E quando se pensa que o pior já passou, abre-se
uma nova porta ou uma nova janela, a partir da qual somos projectados para um
cenário de conteúdo terrífico incomensuravelmente superior ao cenário anterior,
em crescendo. Dantesco! As imagens, os cheiros e os sons podem assumir sempre
novas formas de decomposição e de putrefacção quem nunca imaginámos existirem.
Descer aos infernos não se fica pelo piso -623, o último a que o elevador
desce, ainda há uma frágil escadinha de tubo galvanizado, serpenteando em
caracol, que se perde na escuridão do buraco.
Sá Carneiro tinha sonhado um projecto
político para Portugal, que passaria pelo domínio absoluto do poder político e
legislativo, através do controlo dos órgãos de soberania sujeitos a sufrágio
universal e directo - um governo, uma maioria e um presidente – os quais
permitiriam, como corolário, a “estabilidade política” necessárias à plena
aplicação da social-democracia. Nunca lhe ocorreu porém que a equação original
contivesse uma quantidade tão grande de variáveis incontroláveis, quer de
carácter endógeno quer exógeno. Só que nestas coisas das ciências humanas não
há simuladores, laboratórios de experimentação ou aplicação em escala reduzida.
Prognósticos só mesmo no fim do jogo e a realidade actual demonstra à saciedade
que a bondade que se presume para um modelo perfeito é em si mesma o maior
motivo para a sua própria perversão. A falta de mecanismos de controlo eficaz e
eficiente dão o empurrão e a falta de consciência crítica (vulgo “vergonha na
cara”) fazem o resto. Pior do que não se saber para onde ir, é não ter
consciência disso.
Penso que o estado a que
chegámos, muito próximo do ponto de ebulição e de não retorno, merece muito
mais do que indignação, merece uma acção individual de intransigência,
manifestada colectivamente de forma destemida e intrépida. Neste momento
deveríamos estar todos na rua a exigir a demissão do governo, a dissolução da
assembleia da república e a aposentação compulsiva do decrépito Silva.
O que se passou ontem ao serão
com a conversa em família, do pai Silva para os filhos da nação, foi o maior
exercício de afirmação e do seu contrário a que já alguma vez assisti em vida.
Em vida sim, porque me cheguei convencer que tinha finado e que aguardava nervoso
na sala de espera do consultório do capeta, na presença de companhia pouco
aconselhável.
Tudo porque o Sr. Silva, ainda
não tendo tomado plena consciência da sua falta de dimensão politica e da sua
insignificância enquanto Homem de Estado, decidiu inscrever à força o seu nome
no mais bizarro compendio da nossa história colectiva, subvertendo a
magistratura de influência num estranho caldo de peixe com ossos de calção e
caril, usurpando funções de juiz desembargador e continuando a aumentar a farta
lista de heterónimos que criou ao longo de todos este anos em que, por
esquecimento, foi político profissional (O Batatinha, O Banana, O Casca de
Banana, O Tabu, O Devoto, O Biqueiro, O Homem do Leme, o Avô Cantigas, etc,
etc, etc…).
Quando o mais alto magistrado da
nação acha que o exercício da democracia participativa e o respeito pela constituição
e pelo seu espírito provocam tensão pós-mestrual nos mercados, estamos
conversados. Aliás, o Sr. Silva tem tanta dificuldade em compreender a
realidade que, só para esbardalhar, conseguiu fazer o pleno: enervar as casas
de apostas, juntar esquerda e direita num “ahhhh!” de espanto, fazer a
irrevogabilidade de decisão de Portas parecer uma simples birra de puberdade e provocar
o riso cínico aos agiotas de serviço e à concubina Gaspar. Só não conseguiu uma
coisa básica dos manuais de decência, provocar a demissão do primeiro-ministro
mais idiota que o país alguma vez suportou.
Mas façamos um simples exercício
de hiprocrisia e admitamos por segundos que as propostas do chefe Silva são
bondosas. Apliquemos pois o teste do algodão – faz aos outros aquilo que admites
para ti próprio. Estão a imaginar o fulano como primeiro-ministro a aceitar
semelhantes propostas de um qualquer chefe de estado, não estão? O algodão não
engana…
É por tu isto que hoje fica muito
mais claro porque que é que o ministério público decidiu não levar Sousa
Tavares a tribunal, por suposta ofensa ao inquilino de Belém.
O ar está viciado e saturado. As concentrações
de vapores etílicos são tão altas que já não se consegue respirar. Deixem o
país arejar por favor – ELEIÇÕES, JÁ!