Acho o populismo execrável, tenho
aversão a leituras simplistas da realidade e abomino generalizações. Acho-as
perigosas e injustas. O mundo não é preto ou branco. Tem matizes, nuances, cambiantes.
Sem qualquer presunção, nem água
benta, acho que tenho uma consciência social e um sentido cívico apurados, o
que muito devo à boa gente que ao longo da vida me foi despertando para os
valores da simbólica divisa da revolução francesa – liberdade, igualdade,
fraternidade.
Tenho feito a apologia da leitura
das actas relativas às reuniões de câmara. Porque considero que essa leitura, sem
quaisquer filtros, permite conhecermos as opções que são tomadas e a sua forma,
porque permite percebermos, de uma forma geral, a linha de conduta política de
todos os membros do executivo camarário – as prioridades, a coerência, a
competência, a capacidade de influência e de liderança, etc.
Por tudo o que referi, o convite
que hoje faço, partindo de duas situações reais retiradas da acta nº 4, é um
convite à reflexão sobre o real papel do Estado (neste caso através das
autarquias), sobre a forma de funcionamento do próprio Estado, sobre o papel
dos políticos e as suas motivações na administração da coisa pública, sobre a
escassez dos recursos e sobre o desperdício, sobre a conflitualidade da gestão
desses recursos escassos, sobre as prioridades, sobre política. Porque política
é isso mesmo, decidir.
Embora um pouco extenso, e
correndo o risco de tornar o post chato, fastidioso, arrisco e deixo à vossa
consideração um excerto da acta nº 4, a última acta disponível das reuniões do
executivo camarário.
Para já não vou tecer mais
comentários, embora tenha tirado algumas conclusões, as minhas conclusões, algumas delas obviamente
suportadas por simples contas de dividir…
Nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 49.º do Regime Jurídico
das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, foi
concedido um período para intervenção e esclarecimento ao público.
Foi atendida a seguinte munícipe:
1 – Sr.ª D. Florbela da Silva Fidalgo, residente na Praceta Luís de
Camões, Lote P, 5.º Dt.º, Casal do Malta, Marinha Grande, que veio solicitar a
atribuição de habitação social, uma vez que está com problemas económicos e de
saúde.
Já há muito tempo que se inscreveu para a atribuição de habitação
social, pretendendo saber se há, uma vez que leu no jornal uma notícia sobre o
assunto.
O Sr. Vereador Vítor Pereira, titular do pelouro da habitação social,
cumprimentou a munícipe e todos os presentes, e informou que percebe a situação
da D. Florbela, que o executivo está atento a esta situação e a tantas outras
que infelizmente se verificam na Marinha Grande, de pessoas com imensas
dificuldades, mas neste momento não há casas disponíveis para atribuir. Existem
algumas que estão na posse da Câmara, que foram entregues pelos arrendatários
completamente destruídas e inabitáveis, e que se vão tentar recuperar, para que
depois possam ser levadas a concurso público, tendo já ordenado aos serviços
para que nessa altura sejam avisadas todas as pessoas que se encontram
inscritas.
Neste momento a Câmara não está em condições de satisfazer as
necessidades de procura.
Disse ainda que pretendia deixar claro, sem querer afastar a
responsabilidade da Câmara, que em termos do poder central pouco ou nada tem
sido feito na área social, querendo é desfazer-se de toda a habitação social
que ainda tem, transferindo-a para as Câmaras Municipais, e não querendo
assumir essas responsabilidades.
Percebe que isto não interessa à munícipe, contudo fica registada a sua
necessidade e na primeira oportunidade será dada uma resposta.
O Sr. Vereador António Santos cumprimentou todos os presentes e disse
que sabe o que é viver numa situação de transplante, como foi referido pela
munícipe, que deve viver com condições e a quem deve ser dada uma resposta
célere em termos de habitação. Na sua opinião as Câmaras Municipais devem
aproximar as populações, por isso estas se dirigem à instituição e esta deve
solucionar os casos o mais rápido possível.
A Sr.ª Vereadora Maria João Gomes disse que conhece a situação exposta,
que é muito carente, tendo apelado a que assim que haja condições se arranje um
sítio para a Sr.ª morar, porque precisa muito.
O Sr. Presidente esclareceu que a atribuição de casas é sempre feita
por concurso público e neste momento a Câmara tem que arranjar algumas para
esse concurso. Não concorda com o Sr. Vereador António Santos e partilha
totalmente da opinião do Sr. Vereador Vítor Pereira, pois o poder central tem
responsabilidade nesta área, e a pouca que ainda tem na Marinha Grande quer
passá-la para a Câmara, que não irá aceitar. A D. Florbela terá todo o apoio da
Câmara, mas neste momento é preciso disponibilizar algumas casas e levá-las a
concurso. Referiu ainda que as pessoas deverão ter conhecimento da situação em
que as casas são entregues, praticamente destruídas, o que implica dezenas de
euros de investimento por parte da Câmara. Atualmente os contratos de
arrendamento já salvaguardam estas situações.
(…)
O Sr. Vereador Aurélio Ferreira cumprimentou todos os presentes e
abordou os seguintes assuntos:
- Sobre a intervenção do
público, considera que o assunto apresentado pela D. Florbela é demasiado
sensível, mas pensa que a Câmara irá resolvê-lo.
(…)
29 - PARECER PRÉVIO VINCULATIVO PARA A CONTRATAÇÃO DA “PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS DE SOM E LUMINOTECNIA PARA ESPECTÁCULOS E EVENTOS A REALIZAR NA CASA
DA CULTURA – TEATRO STEPHENS”, PARA O PERÍODO DE 1 DE MARÇO DE 2015 A 31 DE
MARÇO DE 2017 (…)
(…)
Presente a requisição interna n.º 16016/2015 e informação n.º 1A/2015,
ambas da Divisão de Cidadania e Desenvolvimento, onde se manifesta a
necessidade de contratação da “Prestação de serviços de som e luminotecnia para
espectáculos e eventos a realizar na Casa da Cultura – Teatro Stephens”, para o
período de 1 de março de 2015 a 31 de março de 2017, cujo contrato a celebrar
carece de parecer prévio vinculativo nos termos do disposto no n.º 12 do art.º
75.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para o
ano de 2015 e cuja globalidade das tarefas a executar serão exercidas com
autonomia, sem caráter de subordinação e imposição de horário de trabalho,
revelando-se inconveniente o recurso a qualquer modalidade da relação jurídica
de emprego público.
(…)
Considerando que o contrato a celebrar carece de parecer prévio
vinculativo nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 75.º da Lei n.º 82-B/2014,
de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2015 e que o
procedimento a adotar é o Ajuste Direto previsto no artigo 20.º, n.º 1, alínea
a) do Código dos Contratos Públicos, atendendo a que se prevê um valor do
contrato inferior a 75.000,00 €.
Considerando que o serviço requisitante propõe o convite António José
Reis Pereira, NIF 197 082 599, e que esta possui a sua situação regularizada no
que respeita às suas obrigações fiscais e para com a segurança social, conforme
documentação em anexo.
Considerando que se entende, na presente data, que os serviços a
contratar propostos pela DCD podem consubstanciam um contrato de tarefa ou
avença, sendo que se aguarda orientação clarificadora requerida à CCDRC sobre
esta matéria.
Considerando que se encontra inscrito em Plano de Atividades Municipais
de 2015 a dotação para a assunção de despesa nos anos de 2015, 2016 e 2017 para
a contratação da “Prestação de serviços de som e luminotecnia para espectáculos
e eventos a realizar na Casa da Cultura – Teatro Stephens”, para o período de 1
de março de 2015 a 31 de março de 2017, tendo sido emitido o cabimento n.º
400/2015, pela área de contabilidade.
Considerando que o preço base a aplicar é de 36.800 euros, acrescidos
de I.V.A. à taxa legal em vigor, sendo este o preço máximo que a entidade
adjudicante se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações de serviços
objeto do contrato a celebrar e que este está sujeito a redução remuneratória,
preceituada no n.º 1 do art.º 75º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, Lei
do Orçamento de Estado para o ano de 2015, por existir contrato com idêntica
contraparte vigente em 2014, conforme documentação em anexo.
(…)
Face ao exposto e considerando que se encontra cumprido o requisito
preceituado na alínea c) do n.º1 do artigo 6º da Lei n.º8/2012 de 21 de
Fevereiro e o preceituado nos n.º 5 e n.º 6 do artigo 75º da Lei n.º 82-B/2014
de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado de 2015, a Câmara Municipal
delibera, de acordo com o n.º 12 do artigo 75.º da Lei n.º 82-B/2014 de 31 de
dezembro, emitir parecer favorável à contratação da “Prestação de serviços de
som e luminotecnia para espectáculos e eventos a realizar na Casa da Cultura –
Teatro Stephens”, para o período de 1 de março de 2015 a 31 de março de 2017.
Esta deliberação foi tomada por maioria, com 6 votos a favor e 1 voto
contra da Sr.ª Vereadora Maria João Gomes, que proferiu a seguinte declaração
de voto:
“Votei contra porque a contratação desta prestação de serviços deveria
ter dado lugar a concurso público, por se tratar de um valor de 36.800 euros.”
Só mesmo duma cabeça doente é que podia vir uma comparação entre coisas que não são comparáveis. Cure-se homem!!!
ResponderEliminarEu entendo-o...
ResponderEliminarPor um lado, sabemos que nem só de pão vive o Homem e que o lazer, o recreio e o divertimento são essenciais para a qualidade de vida. Por outro lado, nós também sabemos, que existem dramas humanos, que poderiam ser atenuados, quando não mesmo resolvidos, com uns parcos milhares de euros...
O Homem; As Viagens
ResponderEliminarO homem, bicho da terra tão pequeno
Chateia-se na terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a lua
Desce cauteloso na lua
Pisa na lua
Planta bandeirola na lua
Experimenta a lua
Coloniza a lua
Civiliza a lua
Humaniza a lua.
Lua humanizada: tão igual à terra.
O homem chateia-se na lua.
Vamos para marte - ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em marte
Pisa em marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro - diz o engenho
Sofisticado e dócil.
Vamos a vênus.
O homem põe o pé em vênus,
Vê o visto - é isto?
Idem
Idem
Idem.
O homem funde a cuca se não for a júpiter
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira terra-a-terra.
O homem chega ao sol ou dá uma volta
Só para tever?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o sol, falso touro
Espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
Do solar a col-
Onizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar
O homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
De con-viver.
Carlos Drummond de Andrade
Excelente, senhor (a) Anónimo (a) de o Homem; As Viagens!!
Eliminar"Mas o que é o próprio homem senão um insecto cego e inane"
"Mas o que é o próprio homem senão um insecto cego e inane zumbindo contra uma janela fechada? Instintivamente pressente, para além da vidraça, uma grande luz e calor. Porém é cego e não pode vê-la; nem pode ver que algo se interpõe entre ele e a luz. Por isso esforça-se atabalhoadamente por se aproximar dela. Pode afastar-se da luz, mas não consegue chegar mais perto desta do que a vidraça o permite,. Como irá a ciência ajudá-lo? Pode desobrir a irregularidade e as protuberâncias próprias do vidro, constatar que aqui é mais espesso, ali mais fino, aqui mais grosseiro e acolá mais delicado: com tudo isto, amável filósofo, até que ponto se aproxima da luz? Até que ponto está mais perto de a ver? E todavia acredito que o homem de génio, o poeta, consegue de algum modo atravessar a vidraça e sair para a luminosidade exterior; sente calor e satisfação por ter ido mais longe do que todos os homens, mas mesmo ele não continua cego? Estará mais próximo de conhecer a verdade eterna?
Deixai-me levar a minha metáfora um pouco mais longe. Há alguns que se afastam da vidraça para o lado errado recuando; porém, ao darem consigo longe dela gritam em redor, «Já a atravessámos»."
In: Obra Essencial de Fernando Pessoa, Prosa Íntima e de Autoconhecimento. Edição Richard Zenith, Assírio & Alvim, Abril 2007
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