26/01/15

Micro-deuses






Manifestando evidentes sinais de adiantado estado de elefantíase, o alcaide entrou na reunião semanal do executivo com a delicadeza dum paquiderme no atelier do Poeiras. Cumprimentou os presentes com um espécie de urro, para marcar território, e passou ao ataque, conforme lhe tinham indicado. A ideia do urro fora sua, inspirado na performance de Cristianinho, aquando da sua recente consagração como melhor do mundo. Inicialmente a DDT não tinha achado grande piada, mas acabou por anuir, autorizando o alcaide a fazer a gracinha do bramido.
Já com todos sentados à mesa, o alcaide retirou de forma delicada e provocadora as luvas de pelica e guardou as pinças, que mantinha em cima da mesa de reuniões desde o início do mandato, num estojo de veludo vermelho escarlate. Colocou o seu ar mais grave, sacou do bolso do casaco de tweed um pedaço de papel cuidadosamente guardado das vistas dos mais afoitos e leu o manuscrito ditado pela equipa de produção. Curto e grosso! Informou do secreto arquivamento do “Processo da Resinagem” e exigiu um “pedido de desculpas”. Formal!... Coisa e tal…
Enquanto isso, numa sala contígua, a DDT e o seu novo acólito, o beato Salu, riam a bandeiras despregadas com a encenação preparada. Estava dada a resposta aos que nas vésperas tinham colocado pequenas sementes de ódio-de-estimação nos pasquins periféricos, para gaudio do director encartado, dos detractores do acordo pós-eleitoral e de um ou dois símios omniscientes, omnipresentes e omnimpotentes.
Os presentes, eleitos - uns mais presentes que outros, diga-se - reagiram entre a indiferença e o incómodo – a indiferença ao mensageiro, que articula mal e vocaliza pior, e o incómodo da mensagem, soprada do sótão bafiento da casa assombrada da 25 de Abril.
Confesso que já nada me causa espanto, pelo que a pseudo farsa vicentina é mais um dos muitos episódios com fracos actores e frouxos de argumentos. Ao menos que tivessem tido o cuidado, para a coisa parecer um pouco mais autêntica, de dirimir o desaguisado antes de firmarem o acordo inócuo que lhes permite brincarem aos executivos de maioria vacinada.
Vão mas é gozar com a prima! Do outro.



3 comentários:

  1. Seja lá quem for o autor, é bom a compor cenários.

    Fartei-me de rir com a primeira parte. Aliás, os seus posts podem ser divididos em dois momentos. O primeiro momento é uma espécie de intróito, bem disposto, espirituoso!
    Conseguir fazer rir não é apanágio de qualquer um :D

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  2. Milu,
    agradeço a visita e o comentário, coisas que por aqui vão cada vez mais rareando.
    É bom saber que faço rir alguém, mais não seja...

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  3. Só mais uma achega, que não quero parecer incisiva:

    "Mais não seja" que é como quem diz. Porque fazer rir é um talento.

    Uma das mais bem conseguidas, das mais emblemáticas obras da Literatura Mundial constitui um constante apelo ao riso. D. Quixote de La Mancha!

    Uma obra fenomenal... e faz rir! :D

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