25/09/14

Ora Eça!



O Deputado Pedrosa, um fulano cordato e perspícuo, que arrota azia a Medeiros e que cita Dumas e Jorge Jesus enquanto vibra de fervor num idílico campo de papoilas saltitantes, decidiu dar à estampa no seu pasquim virtual face-to-face, um terno momento de reconciliação e de indulgência. De elevada nota artística. Atentemos pois à coisa dita:

Uma moldura humana impressionante ontem no jantar de Antonio José Seguro em Lisboa, mais de mil pessoas na iniciativa. Apesar da angústia por um partido dilacerado, há também aspectos positivos, nota-se uma grande adesão em ambos os lados, iniciativas com centenas e mesmo milhares de socialistas e simpatizantes, o que dá ao dia 29 de Setembro um sinal de esperança ou não fosse, claro está, este o meu dia de aniversário.

Embaçado pela significância e pela delicada acutilância da prosa, entre o coice de mula velha e a doçura do mel de rosmaninho, recordei o velho Eça na sua sublime e magistral obra prima “Os Maias”, a qual me atrevo a copiar, cuidadosamente:

Citou então o exemplo do Gouvarinho: alli estava um homem de occupações, de posição politica, nas vesperas de ser ministro, que não só ía ao baile, mas estudara o seu costume: estudara, e ía muito bem, ía de marquez de Pombal!
- Reclame para ser ministro, disse Carlos.
- Não o precisa, exclamou Ega. Tem todas as condições para ser ministro: tem voz sonora, leu Mauricio Block, está encalacrado, e é um asno!...
E no meio das risadas dos outros, elle, arrependido de demolir assim um cavalheiro que se interessava pelo baile dos Cohens, acudiu logo:
- Mas é muito bom rapaz, e não se dá ares nenhuns! É um anjo!


19/09/14

Bolsa. De valores?


Com o ar fresco e jovial duma manhã sombria de fim de verão, o pivot mal-dormido anunciou a menina da Reuters, que iria trazer as mais serenas e apaziguadoras notícias dos mercados - hoje, dezanove de Setembro do ano da desdita de dois mil e catorze, os mercados “abriram em alta”.
Cunha Lima, a menina da Reuters, confirmando a deixa do mal-dormido, reiterou a abertura dos mercados em alta, justificando o facto com a vitória do “não” no referendo na Escócia. Mais, disse a menina Cunha Lima da Reuters, que os mercados reagem positivamente à estabilidade política, penalizando as situações de incerteza, como supostamente seria o caso da vitória do “sim”.
É sempre bom acordar a uma sexta-feira dezanove de Setembro do ano da desdita de dois mil e catorze, e saber, através da menina da Reuters, que os mercados gostam de “estabilidade” e que têm “reacções”. Tanto mais tranquilizante, para um país com uma dívida pública à volta dos 134% do PIB…
Por uma questão de preguiça intelectual, poderia até ficar sossegado a ruminar as "boas novas" da menina da Reuters numa manhã de sexta-feira, em vésperas de fim-de-semana chuvoso, ou até, e porque não, ter uma qualquer reacção vagal como aquelas que o Sr. Silva experimenta quando o assunto não lhe convém.
Contudo, a bem da minha higiene mental, prefiro a inquietude estimulante que me provoca o exercício físico dos dois neurónios e meio com que o criador me equipou o córtex frontal, e ler as entrelinhas. De facto, o que a menina da Reuters disse foi aquilo que todos sabemos e que é em grande medida uma das principais razões da nossa desgraça colectiva, é que os mercados, tal como os fungos, necessitam de um ambiente propício para se desenvolverem, reagindo mal a um fenómeno físico-químico cada vez mais posto em causa que dá pelo nome de “democracia”. O problema dos mercados não é a instabilidade, porque é nessa instabilidade, sobretudo social, que encontram a matéria orgânica essencial ao seu obsceno crescimento, através de processos de decomposição. Tal como o fungos.
O problema dos mercados é que convivem muito mal com o facto de cada um de nós ter um pequeno quinhão de responsabilidade, e de possibilidade, de mudar o rumo da história. E isso é uma coisa que os irrita profundamente, pois a “racionalidade” (dos mercados) não se mede em sabedoria nem em conhecimento, mede-se em lucro. Para quê a democracia política, se a “democracia económica” lhes basta?
Bom fim de semana e não fiquem muito a pensar nisso.
Olha, bem jeitosa, a menina Cunha Lima. Da Reuters.