Na sua famosa peça
”A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca”, William Shakespeare tratou de
colocar a fasquia bem alta. Elevou o patamar da discussão da mera bagatela do “ser”
e do “perecer” dispensada a Pompeia Sula, mulher de Júlio César, uma fulana esbelta
e arisca que numa famosa orgia báquica por si organizada se pôs a jeito de
engalanar o legítimo com armação de cervato, para o nível da afirmação ou da
negação da competência e da consequência. A verdade é que se é, ou não se é. Não
há volta a dar. Ou se é competente e capaz ou se é incompetente e incapaz, não
há meio-termo.
Por isso, hoje
não ficaria de bem com a minha consciência se não assumisse absolutamente o repto
de Shakespeare e manifestasse de forma peremptória o que penso e sinto,
tornando-me cúmplice por omissão. Como não quero ser hipócrita digo-o sem quaisquer
pruridos: o actual executivo camarário é talvez o pior executivo que nos
governou desde o 25 de Abril. Não pelo voluntarismo nem pela vontade, antes
pela falta de visão estratégica, pela falta de capacidade de liderança, pela
falta de atitude auto-crítica e pela inércia. Uma desgraça…
Não. Não me
refiro a questões de lana-caprina que atafulham pasquins e redes sociais. Refiro-me
antes a um rumo com sentido e a uma atitude que antecipe cenários e ponha no
centro da agenda as questões que efectivamente são fulcrais e estruturantes para
o concelho. E são muitas. Quais as reais preocupações deste executivo
relativamente às condições de desenvolvimento da actividade económica do concelho?
Quais as reais preocupações deste executivo relativamente à qualidade de vida
proporcionada à sua população? Quais as reais preocupações deste executivo
relativamente à projecção do concelho no panorama nacional e no contexto
europeu? Quais as reais preocupações deste executivo relativamente à gestão da
água? À gestão da malha urbana?...
Infelizmente não
encontro respostas pelas simples razão de que para este executivo tudo é muito
complicado e qualquer opinião diversa resulta numa perigosa deriva insurgente.
Infelizmente este executivo não dá mostras de que é [capaz] - não percebe que a
política e o serviço público devem ser servidos com grande competência, rigor e
humildade, não compreende que gerir é pensar, decidir, planear, executar e
controlar, não entende que um executivo municipal não se pode esgotar num
qualquer comité de organização de eventos pontuais e desgarrados (já para não
dizer que muitas das vezes, desfasados, da realidade).
Erro de casting?
Falta de qualidade da classe dirigente e política? Falta de exigência dos
munícipes? Interesses? Mesquinhez? Sede de poder? Talvez tudo isso ou o seu
contrário.A verdade é que Shakespeare tinha razão: “ser ou não ser, eis a questão”.
E neste caso, para mal de todos nós, é “não ser” [competente].
"Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre
Em nosso espírito sofrer pedras e flechas
Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,
Ou insurgir-nos contra um mar de provocações
E em luta pôr-lhes fim? Morrer.. dormir: não mais.
Dizer que rematamos com um sono a angústia
E as mil pelejas naturais-herança do homem:
Morrer para dormir... é uma consumação
Que bem merece e desejamos com fervor.
Dormir... Talvez sonhar - eis onde surge o obstáculo:
Pois quando livres do tumulto da existência,
No repouso da morte o sonho que tenhamos
Devem fazer-nos hesitar - eis a suspeita
Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios.
Quem sofreria os relhos e a irrisão do mundo,
O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso,
Toda a lancinação do mal-prezado amor,
A insolência oficial, as dilações da lei,
Os doestos que dos nulos têm de suportar
O mérito paciente, quem o sofreria,
Quando alcançasse a mais perfeita quitação
Com a ponta de um punhal? Quem levaria fardos,
Gemendo e suando sob a vida fatigante,
Se o receio de alguma coisa após a morte,
– Essa região desconhecida cujas raias
Jamais viajante algum atravessou de volta –
Não nos pusesse a voar para outros, não sabidos?
O pensamento assim nos acovarda, e assim
É que se cobre a tez normal da decisão
Com o tom pálido e enfermo da melancolia;
E desde que nos prendam tais cogitações,
Empresas de alto escopo e que bem alto planam
Desviam-se de rumo e cessam até mesmo
De se chamar acção."
William Shakespeare
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